sábado, 30 de outubro de 2010

Todo lugar tem uma história para contar - Dia do Livro

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Apolo



       As oliveiras iam ficando para trás, se avolumando em ondas verdes, enquanto a velocidade o levava mais longe e para o alto.Era possível enxergar uma camada azul contornando a costa. Era o mar dos heróis gregos, embaçado pela distância e pela nebulosidade natural do momento. Um mar depois do outro, o outro verde denso,maciço,soberano,espalhando-se com  vigor como um artifício de Deméter.
Não tardou e toda aquela visão foi sobrepujada pela intensidade de estar no umbigo do mundo, Delfos.
O pai de Apolo, Zeus,lhe ordenara que fosse a um lugar elevado próximo ao Monte Parnaso a fim de erguer um santuário e Delfos era esse lugar. Cercado por vales férteis e por uma energia natural intensa,não haveria escolha melhor. Ali,homens poderiam encontrar-se com os deuses.
Apolo ajeitou-se em seu coche de ouro,ajeitou sua aljava com flechas de ouro e afagou seus esplêndidos cavalos alados,então partiu.Sabia que deveria atender a solicitação de seu pai;primeiro porque refutar um pedido dele não era viável,depois porque dentro de si trazia da parte de sua mãe, Leto, o dom da profecia.Sabia também que em Delfos teria um desafio. Deste modo , partiu iluminando os céus.
Assim que chegou, o deus-luz avistou entre alguns pinheiros, a odiosa serpente Python que tudo enegrecia.Tudo o que ela podia fazer para manter a ignorância, para afastar qualquer um da iluminação, da sabedoria, ela fazia lançando seu temível e potente veneno. Apolo investiu contra a serpente que se esquivou com facilidade, golpeando-o nas pernas e já erguendo-se na sombra. Foram quatro dias de intensa batalha. Por fim, as flechas magníficas e infalíveis, feitas por Héfestos especificamente para atingir os que desprezam a busca da luz derrotaram o instinto cego em estado bruto disseminado por Python.
Encerrada a batalha, Apolo enterrou a serpente e sobre ela cravou uma imensa pedra em formato cônico, ergueu os olhos e se deu por satisfeito.Realizou a vontade de seu pai e confirmou que Delfos seria dali por diante o centro da luz para os humanos que desejassem encontrar-se, iluminar-se e enterrar cada um sua própria Python.
Os pés de Antonio percorreram todos os espaços  do santuário erigido a Apolo, a cabeça sacudia-se entre sensações e estremecimentos diante das fabulosas ruínas.Não havia mais a pitonisa para proferir os oráculos aos que buscassem resolver seus conflitos existenciais.Também não havia os vapores que outrora emanavam das rochas e os enigmas não surgiam em complexos jogos de  palavras.
O coração inundado de beleza , transbordou em lágrimas quase sufocantes.Com os olhos voltados para o azul, procurou respirar com  calma  absorvendo o momento, apesar da dificuldade . Sentiu fisgar-lhe a face um raio de sol agudo e enxugou as bochechas lavadas.
Teve a impressão de enxergar asas fugidias nas nuvens que escorregavam suaves, abaixou os olhos e sob seus pés uma sombra serpenteava para dentro de uma fenda na rocha.Achou mesmo que Apolo passara por ali.


crédito da imagem http://www.elfwood.com/~vasilis

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

O instante

Embora esse blog não tenha grandes pretensões,tenho recebido alguns comentários fora deste espaço que me motivam a continuá-lo com avidez.
A natureza dos comentários ultrapassa a mera adulação porque algumas pessoas que vivenciaram algumas das situações relatadas foram tocadas de algum modo.De alguma maneira ficaram surpresos com o resgate de algo no passado de que nem se lembravam mais ou se lembravam com muita poeira,sem nitidez ou sem atribuir-lhes alguma emoção.
Fico feliz também que a leitura desse blog tenha provocado em algumas pessoas O INSTANTE.Já me explico. De acordo com o dicionário:
 [Do lat. instante.]
Adj. 2 g. 
 1. Que está para acontecer, para vir; iminente: 2   
 2. Pertinaz, insistente: 2  2   
 3. Urgente, inadiável, indispensável.  
S. m. 
 4. Momento1 (1): 2   
 5. Ocasião, hora:
O INSTANTE ,personificado e amigo,resgata o submerso de seu cotidiano cheio de obrigações e compromissos e o alça à condição de ser pensante, de ser "sentinte", de criatura entre palavras e ideias,inato a urdiduras reflexivas, a tramas expressivas, a poesia.O INSTANTE único e pessoal,inadiável e insistente.Tal como se permitiu meu amigo João que se doou ao seu próprio talento, abriu uma brecha em seu emaranhado de tempo e escreveu.Não é mesmo lindo?



Minha alma inundou-se de alegria, amiga minha,
Quando abri seu e.mail e lá um agradecimento tinha.
Enviei-lhe uma mensagem, que imaginei lhe caber certinha
Porque o corre-corre do dia-a-dia faz a vida burburinha.


Parar se faz necessário...
Dar asas ao imaginário...
Calar corpo, mente, coração...
Fazer-se pequeno, bem rente ao chão.

Apreciar o pequeno, o aparente insignificante,
Deixar transcorrer o tempo, reduzi-lo a um instante.
Abandonar-se, transportar-se, extasiar-se,
Perante o belo interior. Encontrar-se.
                                             João Campagnolo



O nde encontrar paz, se a vida é torvelinho?
L á onde tudo se faz calmaria...
G rande se faz, aquele que se faz pequeno...
A ma, ama, simplesmente ama...
                                             João Campagnolo 

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Novelos

Pensando no emaranhado na vida...




Quando o sol chega a doer assim nos olhos  e o que é branco torna-se o mais incômodo , Maralúcia  troca as linhas , colocando as mais escuras por cima do cestinho de costura . As linhas mais claras , prefere ofuscá-las . Com dedos maliciosos  apalpa os pequenos novelos macios e os enfia por debaixo.Sufocadinhos ali, quem sabe , consiga esconder o que a incomoda.
Ponto por ponto, estabelece uma regra cicatrizante  de tramas aleatórias,seu tapete mágico que a faz deslizar pelas horas da vida e  pelas horas do sonho,nós.
Enquanto mexe no seu cestinho a procura de novos novelos, as provocantes cores claras irrompem . É um susto só , tanto que a agulha fere-lhe a ponta do dedo e uma vazante maré inunda colo e olhos . Sente sufocar-se em traças errantes, errôneas que ainda viriam roer o tapete e ruir o pensamento.
Corre para torneira em busca de um fio de água capaz de  misturar-se ao sangue até que os dois em conjunção se transformem num fluxo único e então submetido já à cristalinidade , sangue  seja só um pontinho.Pontinho mal dado , fácil de desmanchar.
É um quase nada , mas como dói!Pior que isso é saber que lá estão os novelinhos angelicais e serenos , cheios de justificativas.Tão honestos todos eles ...
Maralúcia pouco se importa com a nuances possíveis, quer a morte incessante da ameaça. Seus olhos doem mais que o dedo ferido. Não quer estrelas saltitando nos céus, nem asa de anjo qualquer a cobrir protetora. Que se danem as margaridinhas do bordado e as pombinhas de núpcias! Quer vingança dos prováveis nós que interrompam sua passagem.
Os calos dos dedos nem incomodam mais, são sementes prestes a germinar sua obra, seu cansaço.
Num arroubo, lança mão de uma tesoura e se arremessa sobre o cesto ; uma ira tamanha sobre  os novelos clarinhos. Rasga-os  com dentes e fúria , descabela-se, brada.
Dias e noite num único golpe.
Suores aflitivos e um gesto impossível de se conter. A morte súbita da razão primária, a vazão de milhões de metros cúbicos de angústia . A danação das escolhas. A pior de todas  as escolhas com suas unhas a escavar no tempo as conseqüências  e estas a pingarem na torneira mal fechada , a tramarem no tapete escorregadio , a ventilarem nas janelas entreabertas , a ecoarem no latido do cão e, principalmente a se desenrolarem infinitamente nos novelos de lã .
Maralúcia  ama cada detalhe.
Maralúcia odeia cada detalhe quando se olha no espelho. Odeia as fibras pois com elas tece a vida diária de um bordado imprevisível em sua regra.


terça-feira, 19 de outubro de 2010

O silêncio

O horário de verão começou e embora eu desconfie de todos os benefícios relacionados à economia de energia elétrica com essa medida, hoje eu acordei feliz.
Não sei se feliz é a palavra mais específica para o estado contemplativo que nos eleva acima de toda a nossa humanidade, mas na falta de um termo melhor, fiquemos com feliz.
O dia amanheceu Belo, assim mesmo com letra maiúscula,remetendo ao conceito grego.Sons e cores mais profundamente perceptíveis como sempre deve ser, aliás por trás de toda pressa.
Se no livro de Lucas, o Senhor Jesus afirma que " A boca fala do que está cheio o coração", humildemente  o parafraseio : " Os olhos vêem conforme o coração".
Logo cedo abri meus e-mails e havia uma mensagem do meu amigo João Campagnolo.Sinceramente não sou afeita a apreciar as mensagens em PowerPoint.Raríssimas são as vezes que me surpreendo, pois minha inquietude se aborrece com facilidade com o tom de auto-ajuda que costumam trazer.Hoje, no entanto, João afirmou ter se lembrado de mim ao ler a mensagem, então li carinhosamente.
Fiquei pensando por um instante se o tal silêncio seria um conselho para uma tagarela,ou se ele se lembrava de um dia em que apareci na escola com um livrinho sobre esse assunto(não me perguntem o nome,acho que o livrinho se foi em um arroubo de doações).
Recentemente lendo o livro Comer Rezar Amar de Elizabeth Gilbert deparei-me novamente com o tema e pronto.O e-mail do João arrematou a conversa e resolvi fazer essa postagem e o poeminha que segue.



sábado, 16 de outubro de 2010

Marinha em Beagá

Em 1994 recebi a notícia de que teria que mudar.No máximo em dois meses meu endereço seria outro.Mas qual?
Como em um susto em que a gente absorve mais ar do que consegue receber,senti um certo atordoamento e me engasguei com a novidade.Eu estava satisfeita com o curso na faculdade, tinha reconhecimento no meu trabalho e agora?
Agora eu não tinha escolha.Em poucos dias já estava embarcando em um ônibus com a Mariana para uma viagem de nove horas rumo a Belo Horizonte.
Eu jamais havia ido a esta cidade e a única coisa que eu sabia é que devia pegar um táxi e me hospedar no Hotel Contorno.No dia seguinte Élio estaria chegando do norte de Minas e então eu teria chance de ver a cidade onde habitaria nos próximos...meses? Anos?Quem sabe?
A delícia da novidade se alternava com a dor da saudade que eu já sentia.
Em menos de um mês,um caminhão de mudanças estacionou em frente a minha casa e engoliu todos os bens que eu possuía, inclusive um Uno vermelho 85.
Com uma profunda dor no coração e uma expectativa maior do que as montanhas de Minas,no Gol da Bayer, empresa em que Élio trabalhava, vi minha história ficar embaçada por detrás da cortina de lágrimas que insistiam em correr.
Nos seis anos que sucederam essa partida, vivi momentos de apaixonada relação com a capital mineira , a novidade cultural que me encantava, os costumes, o ritmo e sotaque facilmente identificáveis,as comidas, os cheiros, os sons.
Em BH conheci amigos incríveis.Amigos, não! Grandes amores para todo tempo dessa versão de mim no mundo.Amores espetaculares para todas as possíveis versões de mim em qualquer mundo.
Tive a oportunidade de estudar na UFMG, mais especificamente na Faculdade de Letras e me emaranhar  por conhecimentos que antes sequer suspeitava existirem.
Também em BH vivi a experiência de ser mãe novamente, mas esse é assunto para outro post.
Ah! Belo Horizonte será assunto para muitos outros posts.
Por enquanto, voltarei ao princípio quando Mariana teve de enfrentar uma escola grande em uma cidade diferente com pessoas diferentes.Em meio a tantas novidades, a linguagem figurou como uma grande descoberta.Ah! Sempre a linguagem e para as descobertas de Mariana, cujo avô paterno chamava carinhosamente de Marinha, fiz esse poeminha.

Marinha em Beagá

QUANDO A GENTE MUDA DE CIDADE
NUM PAÍS COM TANTA DIVERSIDADE
TEM QUE ESTAR PREPARADO
PARA TODO TIPO DE SITUAÇÃO

ÀS VEZES, É MUITO ENGRAÇADO
NOTAR COMO SE FICA ENROLADO
COM UM SOTAQUE DIFERENTE

E O TAL VOCABULÁRIO?
CRIA CADA  CONFUSÃO !

SARJETA VIRA MEIO-FIO
CALÇADA VIRA PASSEIO

LOUSA É APENAS QUADRO
LANCHEIRA É MERENDEIRA
E SE A PROFESSORA
PEDIR PARA ARREDAR?

FOI ASSIM QUE MARINHA
POBREZINHA !
SE VIU PERDIDINHA DA SILVA
AO CHEGAR EM BEAGÁ
TINHA APENAS CINCO ANOS
VIVIDOS NA FAMOSA SAMPA,
A CAPITAL PAULISTA 

E BEAGÁ PARA QUEM NÃO SABE
É SIGLA DE BELO HORIZONTE 
CAPITAL QUE ENCHE A VISTA

TODA ESSA NOVIDADE
ACABOU VIRANDO DIVERSÃO
PORQUE O BOM NESSA IDADE
É O QUE DIFERENTE
É SÓ DIFERENTE
NEM MELHOR, NEM PIOR

ENTRE O PÃO DE QUEIJO QUENTINHO
E O SOTAQUE MANEIRINHO
APRENDEU A DIZER: 
_ NÓ!!!

APRENDEU TAMBÉM 
QUE TUDO É TREM
E QUE OLHO DE MINEIRO
É O MAIOR QUE TEM
_ NÓ! CAIU UM TREM NO MEU OLHO, SÔ !

APRENDEU QUE 
“CHIQUE DEMAIS” !
 É O MESMO QUE
“ DA HORA!”

QUE “VÉIO” NECESSARIAMENTE
NÃO É QUEM TEM BARBA BRANCA

E QUE VERRRMELHO É CORRR QUE 
ARRANHA A GARRRGANTA

ORA APRENDIA, 
ORA ENSINAVA
NO FIM TUDO ERA 
SOMENTE BRINCADEIRA...

AFINAL, 
ESSA NOSSA LÍNGUA É BEM FACEIRA
E ESPERTA.

TEM SEMPRE ALGO ESPECIAL
ACHO ATÉ QUE TEM UM TOQUE ANGELICAL,

POIS JUNTA GENTE
QUE VEM DE LONGE
DE SUA TERRA NATAL
NUMA CIRANDA GENIAL!


quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Dia dos Professores

Poderia falar sobre o sentido da palavra professor, resgatar a ideia de mestre, de educador.Prefiro falar um pouco sobre minha trajetória nesta profissão.
Antes...

Querido amigo professor
Que estende sua mão para acolher
e que coloca na ponta do giz um coração generoso


Querido amigo professor
Que se estende inteiro 
na humilde profissão de ser
ponte luminosa bem sinalizada


Querido amigo professor
humano,inspirador e nunca pronto
Felizes sejam seus dias!




Agora ...quem é Olga, a professora



Caminhante, são teus rastos 
o caminho, e nada mais.; 
caminhante, não há caminho, 
faz-se caminho ao andar. 
Ao andar faz-se o caminho, 
e ao olhar-se para trás 
vê-se a senda que jamais 
se há de voltar a pisar. 
Caminhante, não há caminho, 
somente sulcos no mar.
Antonio Machado
           

Havia um tapete azul que se estendia feito o mar naquela sala pequena. Em um canto algumas tampinhas de garrafa organizadas em fileiras atendiam aos comandos de uma tampinha de 51, mais alta, feita de material diferente. O som da televisão e as conversas da família depois do jantar eram vozes distantes. A sala de aula reproduzida absorvia todo interesse da menina. Eu era a menina.
Enquanto reproduzia o modelo de escola pública de um bairro operário na Sampa dos anos 70 e a repressão comia solta pelo país afora, a semente da educadora vibrava em mim, um buliçoso prenúncio.
Depois da separação dos meus pais, minha mãe derrubou o jardim à frente da nossa pequena casa e construiu um boteco. Eu empilhava livros e cadernos no balcão e estendia o coração para diversas histórias humanas. Entre um freguês e outro sobrava tempo para “dar aulas” sobre os conteúdos que eu precisava estudar para as provas; às vezes falava para uma classe imaginária, às vezes havia algum colega estudando junto. Eu escrevia na lousa fixada na parede que separava bar e corredor e com entonação firme marcava o ritmo da aula. Marcava também o ritmo da minha própria vida. Vislumbrava inocentemente minha trajetória futura e um dia falei para minha mãe:
_Serei professora!
            Decidida, cursei o magistério na Escola Estadual Alexandre de Gusmão..Já no segundo ano, minha professora de Didática, Célia, me convidou para trabalhar como auxiliar de classe em uma escola de educação infantil no bairro do Ipiranga.Eu tinha 16 anos.

Minha formação foi sustentada desde o princípio por professores cujo trabalho orientava para uma visão crítica e humanística. Paulo Freire. Madalena Freire, Emilia Ferreiro, Freinet, Piaget eram os nomes do meu cotidiano então. Outro desejo me inquietava a essa altura, queria alçar outros vôos e me preparava para a faculdade de jornalismo. Nessa época eu trabalhava na Escola Patuá, meu primeiro emprego e na Escola Ursa Maior. Transitava entre a educação infantil e o fundamental I.
            No entanto, desde que embarquei no magistério, uma espécie de encantamento passou a me envolver. As escolhas foram fluindo naturalmente e as coisas foram se interligando, entrelaçando  como se fossem  tecidas pela mitológica Aracne.Quando cursava jornalismo, engravidei, tive sérios problemas e me vi obrigada a desistir do curso.
            Minha paixão pelos pequenos que aprendiam a ler e a escrever e que tanto amavam ouvir histórias me levaram a uma nova escolha: Letras.Neste período eu estava trabalhando no Colégio Radial e tinha uma grande incentivadora, minha coordenadora Maria Helena Cardoso.
            Em 1994 precisei me mudar para Belo Horizonte e foi na UFMG que minha paixão pelas letras se intensificou, abraçada pelas montanhas e por uma atmosfera poética me envolvi com literatura e psicanálise.Conheci pessoas interessantíssimas e projetos inovadores – era a época da implantação da Escola Plural na prefeitura de BH
            Finalmente me instalei em Piracicaba,onde trabalhei no Colégio John Wesley – Universitário e em 2002 fui contratada pelo Colégio Metropolitano Pueri Domus Escolas Associadas .Minha identificação com a proposta pedagógica foi imediata.Todo o meu percurso sempre esteve voltado para a abordagem sociointeracionista .
            Aquela menina que brincava com tampinhas de garrafa e sonhava com azulejo nos banheiros,continua vivendo, sonhando e aprendendo. Olha para o caminho percorrido,reconhece as mancadas,as falhas do calçamento,recorda as pinguelas que teve de atravessar, mas vislumbra pedrinhas de brilhante por  onde passou com tantos amores.A menina também olha para a frente, mas nada vê,porque assim deseja.Mira o horizonte e apenas quer companheiros de verdade.


                                      Posso afirmar que vivo daquilo para que vivo!





SONETO PARA OLGA

Quem é que foi a melhor das professoras?
E, além disso, é uma amiga muito legal?
Fazia dinâmicas interessantes,
Não tratava nenhum aluno mal

Nossa professora mais divertida
Mais alegre e concentrada também
Tornou-se essencial em nossas vidas
E agora só desejamos seu bem

Essa é você, amante da poesia,
Da tranqüilidade e da natureza,
Portadora de uma grande beleza

Essa é você, querida professora,
É você que nunca nos deu uma folga,
Você, querida professora, Olga

Lucas Angelocci








quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Rir para não chorar ou chorar de rir ?

Essa crônica foi escrita há dois anos aproximadamente,mas hoje vi uma foto do personagem central que realmente me fez rir muito e desejei partilhar.


Rir para não chorar ou chorar?

Chorar de rir. Chegar às lágrimas às sete da manhã é privilégio de alguns poucos. Eu e minha amiga e também colega de trabalho Thaís, durante os quarenta minutos que levamos para chegar a uma cidade próxima onde damos aulas, fazemos nossa terapia.
Falamos de tudo um pouco, enquanto os pneus vão comendo a rodovia e o sol vai nos premiando com a luminosidade que destaca a paisagem. Dividimos minutos, quilômetros e sentimentos. São alegrias e frustrações. E com quem isso seria diferente?
Vez por outra lembramos de algumas situações curiosas do cotidiano de nossa profissão e hoje quase perdemos o fôlego ao lembrarmos de uma pessoinha muito simpática, muito querida pelos colegas e pelos professores, mas que é profissional quando o assunto é  criar momentos cômicos , geralmente sem intenção, que desarmam qualquer um.
Certa vez, solicitei a leitura de um livro chamado Ciganos de Bartolomeu Campos de Queirós. A lista de livros com as indicações bibliográficas, ele provavelmente perdera e então registrou em sua agenda o nome do livro e ignorou autor e editora. No afã de não perder o prazo para a realização da leitura foi à livraria e comprou o título solicitado. Quer dizer...
Ao entrar na sala um grupo de alunos me indagou:
_ Qual é mesmo o nome do livro que você pediu?
Prontamente respondi:
 _Ciganos.
            _Ué ? Mas não é Cigarros?
            A sala desabou numa gargalhada só. Eles já sabiam da confusão do colega que não entendera a própria caligrafia ao solicitar o livro para a vendedora.
            A mais recente peripécia foi nessa terça-feira. Estamos analisando contos e fiz uma leitura bastante dramática do conto Venha ver o pôr-do-sol de Lygia Fagundes Telles. No final do conto o narrador nos relata que a moça gritava e que seus gritos eram como uivos. Finda a leitura, quando começaram as considerações acerca da narrativa, o colega em questão nem gaguejou:
            _ Mas... e o lobo ??
            _Lobo?Que lobo?
            _Esse daí que você falou que estava uivando...
            Enquanto eu desfiava estas situações cômicas, eu e Thaís não conseguíamos conter as gargalhadas, entremeadas pelos comentários que Thaís costurava , fazendo-nos lembrar das caras , bocas e  gestos dessa linda figurinha. Chegamos literalmente às lágrimas e quase perdemos o fôlego de tanto rir.
            O pessoal do pedágio não deve ter entendido nada.
 “Que humor dessas aí às sete da manhã!”

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

TARDES LARANJAS



Laranja e canela
Sol e minha pele sob o sol
Deslizando pelas horas da tarde
Escorrendo no céu das brincadeiras

Havaianas nos pés
roupas curtas 
e o assobio temível de minha mãe...
 Poeira avermelhada (ou seria laranja?)
Eu podia voar
Subir até a esquina e descer
quase a galope
galope de Pégaso 
Um passo na terra outro no sonho
e o vento rasgado de medo
Quedas de bicicleta ,pedras e joelhos esfolados
vôlei,rede de corda esticada entre postes
_Levanta!Lá vem carro!
_Bola na valeta!Quem pega?
Teatro de faz-de-conta:
_Hoje eu sou a princesa.
Coreografia exibida,As Frenéticas com meias listradas
"Na nossa festa vale tudo..."
Amarelinha, mana-mula,taco, 
mãe-da-rua,peteca, balança-caixão

E a enxurrada levando tudo, levando tudo
levando tudo no barquinho da vida.


Para Elaine,Elenice,Maura,Vagner,Marcelo,Adelson,Tito, Flávio(irmão da Elaine),Flavinho, Zanja e Regina,eternas criança

sábado, 9 de outubro de 2010

CANTO GERAL


Na ficção criada por Antonio Skármeta  e eternizada através da película Il Postino (O carteiro e o poeta) há um momento em que por ocasião de seu aniversário, Pablo Neruda  o poeta chileno exilado que passa uns tempos em uma ilha italiana, recebe uma fita de áudio com a gravação de seus amigos ainda residentes no Chile. 
Estamos falando de um período político bastante turbulento em países da América do sul , com vários países submetidos a regimes ditatoriais impostos por militares.Pablo Neruda sofre cassação de seu mandato de senador da república assim que publica sua obra Canto Geral.
Voltando à cena da ficção, o carteiro entrega a fita em que ouve a voz de uma amigo do poeta que se diz cercado por outros amigos comuns felicitando-o pela data e informando-lhe sobre o sucesso de sua obra  Canto Geral e o esgotamento da edição publicada secretamente no Chile.
Com olhar melancólico, Neruda explica ao carteiro,tornado amigo a essas alturas,o teor de sua obra.Conta-lhe que quando era senador no Chile fora visitar os mineiros na região dos pampas, uma região, como ele diz onde chove a cada meio século e onde a vida é inimaginavelmente difícil.Ele pretendia com essa viagem conhecer as pessoas que haviam votado nele.Um dia, em Lota, um homem saiu de uma mina com uma máscara feita de pó e carvão com o rosto contorcido pelo sofrimento e os olhos vermelhos por causa da poeira  lhe estendeu a mão calejada e pediu para que o poeta aonde que que fosse falasse sobre aquele tormento, que falasse do irmão que vive lá embaixo no inferno e apontou para a entrada da mina.
Assim, o poeta achou que devia falar sobre a luta dos homens, escrever poesias sobre os oprimidos e assim nasceu a obra Canto Geral.

Desde o dia 5 de agosto, o mundo acompanha aflito a situação desesperadora de 33 mineradores que ficaram soterrados após um desabamento que bloqueou a galeria de acesso à mina em San José na região de Atacama no Chile.Hoje a perfuradora finalmente os alcançou.
O mundo continua com os olhos e os corações voltados para eles, na expectativa de que o resgate seja bem sucedido e que esses homens consigam superar os traumas acarretados por essa experiência assombrosa.
crédito pela imagem : abril.com

Canto Geral foi publicado em 1950 e as condições de trabalho dos mineiros pouco mudou de lá para cá.Foi necessário que ocorresse esse desabamento para que a opinião pública voltasse seus olhos para a situação desses trabalhadores.E depois que for colocado um ponto final nessa história, haverá mudanças que favoreçam esse povo?

XII O MESTRE HUERTA ( Da mina " A desprezada",Antofagasta)

Quando o senhor for ao Norte
vá até a minha " A Desprezada",
pergunte lá pelo mestre Huerta.
De longe não vai o senhor ver nada,
só os areais cinzentos.
Depois, verá as estruturas,
o corrimão, os desmontes.
Os cansaços, os sofrimentos
a gente não vê, estão debaixo da terra
mexendo, partindo seres,
ou então descansam estendidos,
se transformando, silenciosos.
Era " picano" o mestre Huerta.
Media um metro e noventa e cinco.
Os picanos são os que abrem
o terreno até o desnível,
quando o veio se rebaixa.
Quinhentos metros abaixo,
com água até a cintura,
o picano pica,pica,vai furando.
Só pode sair do inferno
cada quarenta e oito horas,
até que as perfuradoras
na rocha, na escuridão,
no barro deixam a polpa
por onde a mina caminha.
O mestre Huerta, grande picano,
parecia que enchia a picada
com as suas costas.Entrava
cantando como um capitão.
Saía gretado, amarelo,
encurvado, ressecado, e seus olhos
olhavam como olho de morto.
Depois se arrastou pela mina.
Já não podia descer à galeria.
O antimônio lhe comeu as tripas.
Emagreceu de dar medo.
Mas nem podia andar.
Tinha as pernas picadas
como por pontas, e como era
tão alto, parecia
um fantasma faminto
pedindo sem pedir, o senhor sabe.
Ainda não tinha trinta anos.
Pergunto onde está enterrado.
Ninguém sabe dizer,
porque a areia e o vento derrubam
e enterram as cruzes, mais tarde.
Ainda não tinha trinta anos.
É em cima,na "Desprezada",
onde trabalhou o mestre Huerta.
                            in Canto Geral,Pablo Neruda, ed.Record,São Paulo,págs268-269.

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

SIMPLEX/COMPLEX



Em  Não Espere pelo Epitáfio...provocações filosóficas,Editora Vozes , Mário Sérgio Cortella desfia reflexões acerca do simples e do complexo.(vide págs 60 a 64).Recomendo a leitura não apenas destas páginas , mas do livro na íntegra, de preferência degustando o pensamento como um vinho requintado,sorvendo-lhe o bouquet.Transpire as afirmações,cresça e some ao seu repertório as pequenas narrativas que o autor entremeia.

"Há, contudo,muitas maneiras de dizer-se e dizer o mundo por meio das palavras;a mais poderosa dessas maneiras é aquela que consegue gerar palavras grávidas de imagens, como nas metáforas,parábolas e alegorias.Um outro jeito poderoso é trazer para dentro da expressão das ideias um arquitetura das palavras que seja - como o essencial das imagens- simples, ou seja, sem complicações.Ser simples, por contraditório que soe, é muito complicado, e isso todos dizemos.Complicado?Sim, e por incrível que pareça,a ideia de simples e de complicado estão etimologicamente ligadas.
O vocábulo simples veio para nós do latino simplex, no qual sim(ou sem) participa a noção de um ou único, isto é, não composto tal como nas palavras similaridade, semelhança (de só um modo).Por sua vez, o plex se origina do indo-europeu plek e este exprime o substantivo "dobra" ou "laço".Assim, simplificado é com uma só dobra,ou sem qualquer uma delas, enquanto que complicado é aquilo que está muito dobrado, pois o prefixo cum indica intensidade.(...)
Para não ficar perplexo (enredado em laçadas) é melhor ex/plicar (com a acepção mesma de tirar as dobras, desdobrar, arrancar os laços para fora,deixando a tessitura da ideia bem lisa, bem aberta, sem complicações.(...)"




Essa postagem não era para ser assim,mas a construção das imagens a  que esse texto me remete me levaram a ficar por aqui.Cada vez que eu leio o que Cortella escreveu no trecho transcrito acima,posso até sentir minha mão alisando as dobras de um tecido cru e deslizante.Às vezes  sinto deslizar pelas mãos uma bela massa de pizza, imaculada, sem vincos.Assim, as arrumadeiras e os pizzaiolos são para mim neste momento os grandes simplificadores do universo.
E você?O que pensa ,ou imagina?