domingo, 28 de novembro de 2010

O Minotauro(A jornada de Teseu)








A estrada para Atenas estava repleta de malfeitores e monstros que aterrorizavam os viajantes que se atrevessem a cruzar-lhes o caminho.Em geral às vítimas era imputada uma morte brutal.
Imbuído de coragem, Teseu colocou-se a caminhar .Empunhava a espada e simulava lutas sozinho,com investidas agressivas e esquivas calculadas. No entanto, não tardou a ter que demonstrar suas habilidades de fato.
O primeiro bandido que cruzou seu caminho foi Perifetes nas proximidades de Epidauro.Saiu de uma floresta escura a fim de surpreender Teseu.Emitiu um berro grave e assustador e investiu contra o jovem , arremetendo em sua direção com sua clava de ferro em riste.Teseu girou o corpo e escapou do golpe.Com agilidade colocou-se em posição de ataque com a espada empunhada, antes que Perifetes voltasse a se lançar contra ele.Furioso e grotesco o criminoso adiantou-se pesadamente, mas Teseu já alcançara sua garganta com a lâmina reluzente.Caiu de joelhos sobre a terra o homem ferido e a vida se esvaiu com o sangue que deslizava veloz.
Teseu limpou o suor do rosto,limpou a espada e apanhou a clava de Perifetes que estava ao lado do corpo imóvel.Este era seu troféu.
Prosseguiu sua caminhada mantendo-se alerta.Assim que chegou ao estreito de  Corinto topou com o gigante Sínis.Não menos cruel do que o adversário anterior,costumava vergar o tronco de um pinheiro com seus músculos de aço e fazia seu oponente mantê-la vergada.Como isso era impraticável,a tensão contida na árvore assim que liberada lançava longe o infeliz que terminava despedaçado.Por vezes,Sínis vergava dois pinheiros e amarrava os pés da vítima na copa de um e a cabeça na de outro, ou ainda amarrava uma perna a cada tronco.Ao soltar as árvores ,dilacerava o corpo do homem sob risos cruéis.
Teseu foi colocado à prova por Sínis e vergou o pinheiro com tanta força que quebrou seu tronco.Imediatamente submeteu o terrível malfeitor à sua própria maldade, amarrando-lhe a dois pinheiros e lançando seu corpo à destruição.
Sínis tinha uma filha, Perigune que havia se escondido numa plantação de aspargos assim que presenciou a morte do pai.Ela estava tremendamente assustada e com uma inocência perturbadora suplicava às plantas que a ajudassem manter-se viva.Jurava a elas que jamais as destruiria ou queimaria se a protegessem,escondendo-a.No entanto, Teseu a viu e a chamou ,prometendo que não lhe faria mal algum.Perigune colocou-se sob a proteção do jovem e mais tarde ela deu à luz Melanipo,filho desse encontro.
O filho de Egeu não tardaria a encarar um novo desafio.Dessa vez não precisou enfrentar nenhum criminoso infame,mas um animal cuja selvageria horrorizava a região de Crômion.Filha de Tifão e da temível Équidna, Féia era uma selvagem porca antropófaga.
Teseu precisou de muita destreza para abater a fera,contudo um golpe preciso de sua espada levou o animal à morte.Deste modo, Teseu realizou mais um grande feito em sua jornada.
Os dias e as noites se sucediam e a proximidade de Atenas tornava cada vez mais real dentro de Teseu, a certeza de que seu sangue tinha algo de divino.Seu corpo, seus músculos,seus pensamentos se alinhavam com essa certeza e com a realidade vindoura:apresentar-se como filho de Egeu.
Suas sandálias, a esta altura, já aparentavam o desgaste da caminhada e já alcançavam a fronteira de Mégara.A estrada seguia por um trecho que passava pelos rochedos Cirônicos que ladeavam a costa.Nesse local instalara-se o famoso Círon que obrigava os transeuntes a lavarem-lhe os pés e quando se inclinavam, Círon precipitava-os ao mar onde eram devorados por uma imensa tartaruga marinha.
Teseu concordou em lavar os pés do homem,mas assim que se abaixou, agarrou seus tornozelos e o lançou despenhadeiro abaixo.Viu emergir a monstruosa tartaruga entre as ondas e Círon foi a última refeição atirada a ela.

Voltou para estrada e já no território ático,perto da cidade de Elêusis, foi desafiado por Cércion,um bandoleiro bruto que desafiava os viajantes para uma luta da qual ele sempre saía vencedor.Sabia-se que sem a menor piedade,matava seus adversários depois de vencê-los.
Teseu ,consolidando sua condição de herói, não hesitou em aceitar o desafio.Após algumas investidas do malfeitor,usando inteligência, agilidade e rapidez,Teseu agarrou-o, erguendo-o por sobre sua própria cabeça e lançando com energia ao chão.A violência do choque matou Cércion imediatamente.
Não demorou muito para que o herói chegasse ao seu último desafio antes de chegar a Atenas.Foi ali, ainda nas proximidades de Elêusis,que Teseu encontrou o pior de todos os sanguinários de sua jornada.Damastes era conhecido por todos como Procrusto ,o esticador de membros.Ele convidava os viajantes a descansarem em sua casa, mas de fato, o que fazia nada lembrava um descanso,mas uma tortura que gerava gritos lancinantes.Fazia com que sua vítimas se deitassem em um das duas camas de ferro que possuía.Uma era muito grande e a outra muito pequena.Caso algum estrangeiro fosse  grande, fazia-o deitar-se na cama pequena.Ao contrário, se fosse pequeno, fazia-o deitar-se na cama grande.Dizia então:
_ Ora, veja! Minha cama é muito grande para você.Ajuste-se a ela.
Depois dessas palavras, esticava os braços e as pernas da vítima até que ela morresse em profunda agonia.
Ou então :
_Lamento, meu caro, mas minha cama é muito pequena para você.Não se preocupe, daremos um jeito nesse problema.
Na sequência, cortava as partes que excediam as medidas da cama e a vítima morria devido a intensa hemorragia.
Teseu lançou-se contra o gigante e atirou-lhe na cama menor, sem que tivesse chance de defender-se.As partes que excediam o tamanho da cama foram sendo extirpadas em golpes precisos.Procrusto provou de seu próprio veneno e sua morte foi assustadora.
A jornada de Teseu foi marcada pela animosidade,pela violência e crueldade.Não demorou a chegar aos arredores de Atenas.Passou pelo rio Cefiso onde encontrou o clã dos fitálidas, descendentes do herói Fítalo.Diante do altar de Zeus participou de uma cerimônia de purificação pelo sangue que derramara.Teve seu cabelo trançado e nele vestiram uma bela túnica branca.
Pela primeira vez desde que deixara Trezena, Teseu foi tratado com hospitalidade e respeito.E assim, renovado se dirigiu para Atenas que estava bem próxima.






Entendendo o trajeto:
 Teseu parte de Trezena, a terra onde cresceu.(Troizen).
A - Seguiu para o Norte e em Epidauro enfrentou Perifetes.
B - Passou pelo estreito de Corinto.
C - Crômion,local onde abateu a porca selvagem de nome Féia.
D - Fronteira entre as terras de Mégara e Ática , nos rochedos Cirônicos.
E - Elêusis onde Teseu enfrentou Cércion.
F - Nas proximidades de Elêusis,local do confronto entre Teseu e Damastes(Procrusto)

sábado, 27 de novembro de 2010

O Minotauro(Teseu)

Atenas  suportaria essa tragédia por sete anos?
Todos viviam apreensivos e quando se aproximava o momento de enviar novas pobres vítimas a cada ano, a agonia se espalhava pela cidade.Pais, mães, familiares e amigos se enchiam de tristeza e agonia e clamavam aos deuses por misericórdia.
Na terceira remessa,Teseu se ofereceu para ir com os demais jovens.Desejava enfrentar o Minotauro e terminar de vez com o suplício dos atenienses:
_ Pai,é uma infâmia o que ocorre nessa terra.Ninguém merece ser vítima de um monstro como o Minotauro!Isso precisa acabar!
_Eu sei,eu sei!Você nem imagina o quanto isso me fere,mas é o preço que foi cobrado e a pitonisa nos aconselhou a obedecer ao rei Minos.
_Pai,permita-me acompanhar as vítimas do sacrifício desse ano.Eu sei que posso enfrentar a besta vencê-la.
No mesmo momento em que ouviu as palavras do filho,Egeu lembrou-se de Androgeu e de tudo o que se seguiu,negando ao filho seu pedido. 
O diálogo prosseguiu até o ponto em que Teseu conseguiu convencer o rei,seu pai.Nos dias que se seguiram, foi feito um acordo com o rei Minos que concordou com a ida de Teseu,pois ele também sonhava com a morte do Minotauro.Ninguém mais sabia da intenção do jovem de matar o monstro.
Os deuses condoídos com a boa intenção do jovem, enviaram a própria Afrodite para acompanhar a nau que levaria os catorze infelizes.
Mas...quem era Teseu?
Aproximadamente uns vinte anos antes de tudo o que foi narrado até agora, Egeu já era o rei de Atenas,seu reinado era próspero, contudo , até então não possuía filhos e via seu trono ser ameaçado por cinquenta sobrinhos ambiciosos, filhos de seu irmão Palas.Resolveu procurar o oráculo de Delfos e de lá voltou com um enigma que não conseguiu decifrar:"Não abra o odre de vinho antes de chegar a Atenas".Durante a viagem de volta, parou na cidade de Trezena,cujo rei, Piteu,tinha poderes divinatórios.
Assim que o anfitrião soube do enigma,as coisas se tornaram claras para ele.Estranhamente, o oráculo já lhe havia anunciado que sua filha Etra não haveria de se casar,contudo seria a mãe de um filho famoso.
Um lauto jantar foi providenciado e Egeu foi tratado com todas as honras que cabiam a um rei de tão alto valor.Ardilosamente Piteu embriagou o hóspede com vinho e o fez deitar-se com sua filha.Na mesma noite, a moça recebeu ordens, em sonhos, de ir até à ilha santuário de Atena, onde Poseidon também deitou-se com ela. Etra engravidou.
Dias depois, Egeu anunciou que precisava retornar para Atenas.Todos sabiam da instabilidade que seus sobrinhos vinham causando em Atenas e a compreensão foi geral.Esse novo relacionamento acendia a esperança no coração do rei.Ele precisa urgentemente de um herdeiro.Não estranhou o consentimento do pai da moça,embora ambos soubessem que ela não poderia ser assumida como esposa.Piteu confiava no oráculo e esperava que o neto um dia se tornasse rei de Atenas.
Na praia,momentos antes de embarcar rumo Atenas,chamou Etra e diante dela colocou sua espada e suas sandálias sob um rochedo:
_Etra, se o deuses forem favoráveis e você gerar um filho meu,crie-o em segredo.Ninguém deve saber o nome do pai desse menino.Quando ele estiver suficientemente forte e desenvolvido, traga-o até aqui, mostre-lhe esse local e peça para que ele mova o rochedo.Em seguida, munido da espada e das sandálias ,envie-o para Atenas.Faça tudo secretamente e esclareça-o sob os riscos que correrá se revelar sua identidade.Meus sobrinhos serão capazes de matá-lo sem a menor compaixão.Apenas o trono lhes interessa.Eu serei capaz de reconhecê-lo através da sandálias e da espada.
Assim, nasceu Teseu.A todos foi anunciado que o menino era filho de Posseidon.Havia uma atmosfera especial diante desse anúncio, pois esse era o deus que aquele povo costumava honrar com oferendas e sacrifícios.O tridente era o símbolo de Trezena.Deste modo, não havia espanto, apenas satisfação diante do nascimento do filho de Posseidon.
Conforme a solicitação de Egeu, nunca se falou que ele era o pai do menino.De fato não era.
O menino cresceu.Sua estatura e força impressionavam,além disso era determinado e inteligente.Etra sabia que chegara o momento de lhe revelar o local onde se encontravam a espada e as sandálias e assim o fez.Para que Egeu tivesse um herdeiro, Teseu precisava reclamar o trono.Caminharam pela mesma praia de onde anos antes , Egeu partira.
_Você sempre quis saber quem é o seu pai.Ouça com atenção.
Etra contou toda a história ao filho e apontou-lhe o rochedo que deveria mover.

Cheio de energia e entusiasmo,moveu a pedra, apanhou a espada e calçou as sandálias.Ainda admirado com tudo aquilo,ouviu sua mãe:
_Filho querido,vá para Atenas.Siga pelo mar e encontre seu pai.
O avô também o aconselhou a seguir pelo mar,pois seguir por terra,pelo Peloponeso seria um risco imenso.Havia muitos bandidos no caminho.
Essas considerações deixaram o rapaz animado.Desde que Hércules estivera em Trezena e se sentara à mesa com seu avô Piteu,sonhava  com a possibilidade de viver aventuras semelhante.Decidiu sem pestanejar, seguiria por terra.
_Mãe,que pensará meu pai, se eu desembarcar simplesmente?Não será necessário que eu demonstre minha fibra?Eu não deveria empreender uma viagem que careça de coragem e honre suas sandálias com poeira e sangue?
O avô sorriu cheio de orgulho e satisfação por reconhecer no neto as características de um heroi. A mãe não teve outra opção senão abençoar o filho.Assim, partiu Teseu,o filho de Posseidon, o filho do rei Egeu.

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sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Recebi um selinho



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domingo, 21 de novembro de 2010

O Minotauro (parte 2)

Posseidon procurou Afrodite , lhe contou o episódio e pediu a ela que provocasse em Pasifae uma paixão incontrolável pelo touro branco.Acometida pela maldição imposta pela deusa, a esposa de Minos ficou perdidamente apaixonada pelo touro a ponto de pedir à Dédalo,o famoso arquiteto da ilha,que criasse um artefato de madeira na forma de uma novilha onde ela se acomodasse e assim  pudesse se entregar ao touro.
Não tardou a engravidar e para seu espanto,pariu o monstruoso Minotauro.Em uma sociedade que privilegiava o controle sobre os instintos e o bom-senso,Pasifae simbolizou o instinto cego que pode gerar qualquer coisa.O fruto de sua paixão era uma criatura terrível de aparência e atitudes pavorosas, pois se alimentava somente de carne humana.
Minos,um homem de sabedoria, compreendeu a vingança do deus oceânico e não se voltou contra sua amada, mas era necessário tomar uma atitude capaz de conter o instinto assassino do Minotauro e mais uma vez recorreu ao inventor:
_ De que modo, meu caro Dédalo, podemos confinar essa criatura e afastá-la das pessoas?Por favor, crie uma jaula, algo capaz de conter esse monstro antes que ele cresça mais e se torne impossível controlá-lo.
_ Eu pensarei em algo, senhor, que seja  a melhor maneira de conter o Minotauro.
E assim, Dédalo elaborou um labirinto cheio de curvas irregulares que desorientavam os olhos e os pés de quem  o adentrasse.Incontáveis corredores se multiplicavam-se uns dentro dos outros, entrecruzando-se o que tornava impossível sair de dentro dele.
Enquanto o labirinto ia sendo construído,Posseidon agiu implacavelmente enfurecendo o touro branco sagrado, o pai do Minotauro.A custa de muito sacrifício os homens de Creta conseguiram dominá-lo e levaram-no para a Argólida a mando do rei.
Não tardou para que em liberdade começasse a atingir regiões próximas de Atenas, devastando tudo por onde passava e ficou conhecido como o touro de Maratona justamente pelo fato de causar pânico nessa cidade durante o período dos jogos Pan-Atenaicos.
Esses jogos eram muito populares na região de Atenas e Androgeu, filho do rei Minos,não só participou de todas as modalidades como venceu todas com notável habilidade.Ele era um jovem forte,alto,um lutador famoso por suas façanhas. Impetuoso, foi incitado pelos atenienses e desafiado pelo próprio rei Egeu a enfrentar o touro de Maratona.Ele conhecia o touro branco sagrado que ninguém ousava enfrentar.Muitas vezes o admirara , vendo-o correr majestosamente  nos campos de sua terra natal.Sabia que o animal havia se transformado em uma besta feroz,mas ainda assim acreditava poder subjugá-lo e confiava em suas habilidades , com touros.Infelizmente não pòde e em uma investida surpreendente , o touro branco o atingiu com violência no ventre e o jovem campeão acabou morto em terra.
Ao receber a notícia da morte do filho, Minos sentiu a profunda  e inigualável dor de um pai que perde seu tão amado rebento e viu a fúria transpassar-lhe, pois percebeu a culpa dos atenienses nesse terrível episódio.Não havia como manter o caráter diplomático diante de tamanha afronta.
Minos reuniu uma armada e partiu para a costa grega a fim de vingar a morte do filho.Tomou a cidade de Mégara, entretanto não conseguiu invadir Atenas que ficou isolada e o cerco prolongado dos cretenses levou a fome àquele povo.Desesperados,os atenienses recorreram ao Oráculo de Delfos para consultar a Pitonisa.Essa era a derradeira tentativa de encontrar uma solução para as desgraças que os acometiam.E ouviram:
_Para se livrar de todos os males, aceitem o que lhes ordenar o rei Minos.
Egeu não viu outra saída a não ser seguir os conselhos do oráculo e ouviu as exigências do rei cretense:
_Durante sete anos, Atenas deverá enviar a Creta sete belos rapazes e sete belas donzelas para saciar a fome  do Minotauro.O tributo poderá ser imediatamente suspenso se algum dos jovens que adentrar o labirinto conseguir sair de lá vivo.Esse é o preço que Atenas pagará pela morte de meu filho Androgeu.
Com o coração contrito, Egeu abriu as portas de Atenas  e viu o próprio rei Minos escolher os catorze jovens e os encaminhar para o navio que os levaria para a morte certa.
  


créditos da imagem : http://decifroedevoro.blogspot.com/2007/10/blog-post_04.html

sábado, 20 de novembro de 2010

O Minotauro (parte 1)

Eu não conheci o Minotauro através de livros,mas através da televisão, assistindo ao Sítio do Picapau Amarelo.
A obra de Monteiro Lobato ,que hoje está causando burburinho no cenário das tentativas do politicamente correto,chegou até mim por intermédio da telinha ainda em preto e branco.Era um mergulho de cabeça na fantasia do qual eu não abria mão.Voltava voando da escola e não falava com ninguém até que o episódio chegasse ao fim.
Eu morria de inveja de uma amiga de uma colega de escola.Ela se chamava Ariadne.E Ariadne era uma menina bonita de cabelos longos e cacheados, delicada e simpática.E Ariadne, a amada de Teseu, era também o nome da minha heroína favorita àquela altura.
O que Ariadne, Teseu e o Minotauro tem a ver um com o outro?Onde eu entro nessa história?

Na ilha de Creta, desenvolveu-se uma fantástica civilização chamada minoica em virtude do título dado ao rei de Creta, Minos, e quer dizer faraó.Apesar de terem sido feitas maravilhosas descobertas arqueológicas dessa civilização,sabe-se pouco sobre ela, pois sua escrita nunca foi decifrada(exceto pela chamada quarta escrita).Sabe-se que a civilização minoica , juntamente com a egípcia são a base da cultura helênica.

Faço uma sugestão de leitura para quem aprecia mitologia grega:












Minos

As cores estavam em tudo,cores vivas que destacavam a maestria das pinturas que forravam as paredes.O rei Minos apreciava passar pelos corredores para descobrir um novo detalhe que lhe havia passado imperceptível na ronda anterior.Falava consigo mesmo e deslizava os dedos suavemente nas bordas das cores , nos contornos e sentia-se satisfeito com a precisão do artista e a energia que emanava do cenário.
Ao caminhar pela ala leste de seu monumental palácio,Minos detinha-se sempre com mais cuidado diante da imagem das toureiras saltando sobre o touro sagrado.Respirou profundamente e refletiu sobre como desejava que as pessoas compreendessem a necessidade de vencer os instintos.Superar o touro não é apenas um desafio pessoal dos próprios limites físicos.
Reparou na fluidez dos movimentos femininos e na destacada oposição de massa corpórea entre o touro e as mulheres e ficou satisfeito por Cnossos abrigar em suas paredes  arte e sabedoria.Orgulhava-se de seu palácio sem muralhas o que significa que seu governo era o de uma sociedade que dependia de sua capacidade diplomática e não muralhas e força.
Em todo o palácio havia sinais da importância do touro sagrado para ele e seu povo.Eram chifres de ouro em todo o palácio para que a lição não fosse esquecida.
Ainda no período da manhã,inspirado por essa aura contemplativa,passou pelo afresco onde damas de azul revelavam a leveza e a liberdade feminina que ele tanto valorizava.Todos os dias fazia questão de acordar a consciência para a importância de vencer a brutalidade, de evoluir.
 e depois de longos minutos , seguiu para o templo de Posseidon, o  deus dos mares tão cultuado na ilha.
Enquanto fazia uma oferenda, foi surpreendido pelo próprio deus.
_ Oh, Meu senhor! Que honra encontrá-lo aqui.Vim para agradecer mais uma vez pela proteção que o senhor dos mares tem concedido ao meu reinado.
_ Sim.Minos, vocês está realmente disposto a provar sua devoção?
_Claro!Farei um sacrifício com o que houver de melhor para agradecer a glória que atingiu o meu império, senhor! Falava isso sem erguer os olhos.
_ Venha comigo.
Antes que inspirasse o ar mais uma vez para respirar, Minos estava na praia com o Posseidon a seu lado.Ainda atordoado com a experiência e com a luz intensa do sol,viu sair da espuma da arrebentação um touro branco magnífico como nunca nenhum mortal tinha visto ainda.
Sentiu uma forte pressão no peito causada pela angústia do que deduziu no mesmo instante.Ele teria que sacrificar aquele animal espetacular.Olhou ao redor como se pudesse ainda argumentar, mas o deus o levou de volta com o animal para diante do templo onde permitiu  que o rei o visse.
A beleza do animal era absolutamente extraordinária e todos os que o viam enchiam-se de deslumbramento.
_Pasifae, minha amada esposa,não é possível que Posseidon sinta-se satisfeito com o sacrifício de um ser tão majestoso.
_Já imaginou as toureiras saltando sobre ele?Não seria de encher os olhos e o coração?Completou a rainha.
Minos que tinha o senso de preservar tudo o que era belo,achando mesmo que seria uma violência sacrificar o animal,achou que Poseidon não se importaria e sacrificou o mais belo touro de seu rebanho em vez do touro branco.
Contudo, o rei não levou em conta o fato de que os deuses vêem o que os homens são incapazes de ver.E. embora o sacrifício apresentado tenha sido grandioso para os padrões humanos, Minos não cumpriu a promessa que fez a Posseidon e essa atitude custaria um preço muito alto.

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Bernardo

A fase Belo Horizonte inscreveu em minha natureza sociável , mas quase sempre restrita,um capítulo indelével.Como tradução de marcas tão profundas de amizade ou melhor, de tão profundas amizades, não encontro a palavra exata e cá estou eu deslizando para dentro de um clichê.
Acho que em vez de ressaltar as qualidades dessa forma tão especial de amor que chamam por aí de amizade(Eu prefiro chamar de amor mesmo),prefiro contar algumas histórias que testemunharam o engendrar desse sentimento.

O primeiro

Aula de uma disciplina do ciclo básico na UFMG,muitas vozes, um sotaque marcante que àquela altura me incomodava muito e me fazia sentir muito mais saudade de casa.Minhas tentativas de aproximação não haviam sido tão bem sucedidas eu pensava:"Por que diabos eu tinha de estar ali?"
Havia deixado para trás companhias adoráveis, inteligentes e bem-humoradas e agora , além de ter de reconstruir meu espaço e meu círculo de amizades , tinha de fazê-lo em meio a uma porção de jovens com senso de competição acirrado.Estava cercada de pessoas que haviam acabado de ingressar na universidade e eram provenientes de cursos variados para cumprir o obrigatório ciclo básico : engenharia, filosofia, direito, letras, matemática...Eu que ali chegara através de transferência, precisava cumprir esse créditos e fui incluída nessa turma.
Havia gente de todos os tipos,mas em geral era um pessoal muito bonito,mais bonito ainda era um tal Bernardo que fazia o curso de direito e que certo dia se aproximou de mim perguntando se eu era de São Paulo.Confirmei e ele abriu um sorriso cheio de dentes alvos e simpatia singular."Adoro São Paulo!Adoro o povo de lá ! É uma gente tão pra frente,de mentalidade aberta." Por um instante,incomodada com aqueles dias de sentir-me como uma estranha no ninho, quase pensei que ele estava sendo irônico.Mas, não! Ele continuava ali com aquele sorrisão pregado na cara à espera de um acolhimento.Ri e antes que fizesse qualquer comentário completou :" Ah!Diferente do povo de Belo Horizonte que é tão provinciano."
Essa aproximação começou a desmanchar a nuvem negra que pesava sobre mim e com o passar dos dias, aquela presença foi me levando a outras.Bernardo era um rapaz muito inteligente.Eu sempre me impressionava com suas intervenções nas aulas de economia.Ela sabia tanto sobre  neoliberalismo e  globalização.                                                
Uma de suas grandes paixões era a música clássica e ele foi me ensinando algumas coisas e sempre se emocionava profundamente ao ouvir obras-primas que estavam contidas em inúmeros cds organizados alfabeticamente em uma imensa gaveta que ficava em seu quarto.Morava em um apartamento no bairro Santo Antônio,uma das ruas mais íngremes que eu conhecia naquela cidade.
Esse mineirinho de Curvelo colecionava histórias muito interessantes de família  e de amigos.Vivia sob a asa protetora de uma mãe que ainda lhe comprava roupas e ficou mais próximo de mim ,após um certo desapontamento amoroso. Ele confiava a mim seus segredos e eu confiava-lhe uma espécie de devoção.A partir do semestre seguinte nunca mais seríamos colegas de classe.Ele foi para a faculdade de direito e eu fiquei ali mesmo no campus para cursar as matérias que me faltavam para obter minha graduação em letras.
Mesmo assim, ele frequentava minha casa e era amigo da minha família.Socorria-me quando eu precisava.Chegou a passar de madrugada no hospital em que Mariana ficara internada por conta de uma apendicite.Eu ajudava-o a renovar o guarda-roupas, ouvia suas tristezas a qualquer hora e o acompanhava a alguns concertos musicais.
A partir do segundo semestre , conheci outras pessoas que vieram a se tornar fundamentais na minha vida e a elas apresentei meu amigo Bernardo,meu irmão Bernardo.Esses encontros deram início a uma grande mudança de paradigmas na vida desse moço e nossos laços se estreitaram para além da presença física.
Inesquecível foi o dia em que ele me chamou para assistirmos à ópera Carmen no Palácio das Artes.
libreto da ópera (1999)
A essa altura ele era meu grande incentivador no Flamenco e sabia o quanto eu gostava também da obra de Bizet.Assim que começou o intervalo ele me disse que queria me dar uma coisa e me entregou seu convite de formatura.Fiquei muito feliz e o abracei, parabenizando-o pela conquista e demonstrando meu orgulho por ele.
Pediu-me para folhear o convite.Folheei meio agitada ainda devido ao impacto da ópera.Ele insistiu , respirei e cheguei ainda displicente aos agradecimentos:

Ao ver meu nome ali,senti algo semelhante ao que devem sentir as personagens de filmes americanos quando o amado se ajoelha,lhes oferece uma caixinha e lhes propõe casamento.Exageros à parte, o fato é que eu não esperava tal demonstração de afeto.Eu sempre estive tão mais acostumada a oferecer do que a receber,a demonstrar do que assistir a alguma demonstração que isso me possibilita compreender o fato de tamanha comoção.
Na vida todas as pessoas precisariam experimentar esse tipo de afeto pelo menos uma vez.Escapar das redundâncias superficiais das relações, do desgaste da convivência e fazer emergir serenas pérolas.Ninguém deve se negar esse direito e ninguém deve esconder do outro a força e a intensidade dessas conexões afetivas.
Na rocha árdua das montanhas de Minas colhi alguns corações.Quentes, borbulhantes, perplexos,inseguros,intensos,imensos,inquietos, vorazes,felizes ou quase.Todos corações vibrantes e aprendizes nessa jornada que se chama vida.O coração de Bernardo também.






terça-feira, 16 de novembro de 2010

Jeanne Hébuterne e Modigliani

Na postagem anterior falei de maneira muito subjetiva sobre Modigliani e sua Jeanne.Na verdade  falei sobre mim e não sobre eles.Não entendo de arte o suficiente para tecer comentários sobre a obra de Modi e também não desejo escrever aqui o que eu tiver lido em outro lugar para contar para vocês.
Ao vasculhar minhas próprias impressões as divido com os leitores desse blog e para mim basta.
Para quem não conhece a biografia de Modigliani e Jeanne, adianto que a tragédia de que tanto falei, foi uma tragédia mesmo.O artista tinha sérios problemas com drogas e com álcool e esse consumo desmedido agravava seu histórico de saúde : tinha tuberculose.

Em 1917 ele que era judeu conheceu Jeanne de família católica tradicional e 14 anos mais nova.Viveram uma relação amorosa um tanto tumultuada.Devido às péssimas condições de vida, passaram por muitas privações..


Segundo  Edward Lucie-Smith, "Lives of the Great 20th-Century Artists", Amedeo fora acometido por uma terrível dor nos rins que o levou para a cama, dias depois o vizinho do andar debaixo, o também pintor Ortiz de Zarate foi vê-lo e Modi reclama de uma dor de cabeça insuportável.Sobre a cama havia muitas garrafas de bebida vazias e uma lata de sardinha cujo óleo escorria para a colcha.Um médico foi chamado , mas infelizmente anuncio não haver esperanças para o pintor.Em 1920 com 36 anos,a saúde Modi chegava a um estado lastimável e em 24 de janeiro acabou falecendo devido a meningite tuberculosa.

Os pais de Jeanne a levaram para casa deles.Ela estava grávida de 9 meses do segundo filho do casal.No dia seguinte à morte de Modi, em total desespero Jeanne se atirou do 5º andar.Ela e o bebê que carregava morreram.

E nos nossos dias , podemos ler notícias como essa publicada no Estadão em 3 de novembro:


Uma pintura de Amedeo Modigliani foi leiloada em Nova York por US$ 68,9 milhões, um recorde entre as obras do artista italiano. O preço de A Bela Romana havia sido estimado em US$ 40 milhões pela casa Sotheby's.
AP
AP
'A Bela Romana' é parte de uma série de nus


O quadro, parte de uma série de nus produzidos por volta de 1917, foi arrematado por um comprador anônimo.O recorde anterior para uma obra de Modigliani era de US$ 43,1 milhões para uma escultura (vendida em junho passado) e de US$ 31,3 milhões para um quadro (2004).Modigliani, que viveu entre 1884 e 1920, originalmente concentrou seu trabalho em esculturas, mas mudou para pintura, em parte, por problemas de saúde. 

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Modigliani

          Sabe aquela sensação de estar impregnado de algo?
     Você tem um sonho e ao acordar, as impressões vividas durante o sono grudam em sua pele,em sua consciência e alteram seu humor ao ponto de fazê-lo duvidar se está realmente acordado.
       Passa o dia inteiro assim , na iminência de que o sentido de completude e realização nessa vida ocorra a qualquer momento.A realidade agarra suas pernas e o impede de se afogar de vez e aos poucos a sensação que o impregnou vai se diluindo e passa.Até o próximo capítulo.
          O mesmo acontece às vezes quando ao ouvir uma música,ao ver uma foto ou ao assistir a um filme seus ossos se abalam.
            A primeira vez que assisti a Modigliani, paixão pela vida fiquei assim por um tempo, como se pudesse corrigir as falhas históricas que não tornaram possíveis a plenitude de um amor.Claro que o filme, mesmo não sendo exemplo de excelência cinematográfica,com toda sua linguagem me abraçou fortemente.Até mesmo o fato de ser Andy Garcia a representar o apaixonado Amedeo Modigliani pode ter me induzido a essa aura.
     O fato é que a genialidade do artista e a tragicidade de sua vida e relacionamento com Jeanne são mesmo tocantes.

     Quando fui ao Masp pela última vez(e já faz até um tempinho),fiquei silenciosamente tocada diante das telas de Modi ali expostas.Senti-me transpassada pelas pinceladas a óleo e viajei no tempo tentando me aproximar da pessoa retratada e do próprio artista.
         Enxerguei e senti por intermédio dos contornos e cores de Modi,a infinitude de nossa finitude.Percebi o calor e o frio de uma Paris borbulhante com seus champagnes e vinhos célebres.Captei a atmosfera inebriante de pincéis, tintas e poetas registrando o mundo.
      O teto foi me achatando de tal modo que eu cabia na tela.Toda aquela pressão sobre mim  e então os olhos, quase todos vazados me abriram espaço para a fuga...



Quer descobrir suas próprias impressões, assista ao filme.
Nesta postagem , fiz singelos versos para Jeanne

sábado, 13 de novembro de 2010

Escorpião


Parte 1

                                                                   

O medo é algo estranho mesmo.Mecanismo de defesa nos deixa alerta com relação a possíveis ameaças.Eu tenho medos,medinhos e medões.Muitos deles existem porque representaram ameaça para os outros. Certamente tenho medo de possibilidades que já representaram para alguém algum incômodo, alguma dor, alguma tristeza.
          Durante muitos anos nutri verdadeiro pavor de escorpiões, principalmente em virtude do que me chegava aos ouvidos. O senso comum é mestre em lançar um rol de histórias, algumas insólitas, em torno da ação desses artrópodes curiosos.
          Enquanto morei em São Paulo, jamais presenciei qualquer acidente com escorpiões. Nem com vizinhos, nem com parentes ou amigos da escola.Tudo o que eu sabia vinha dos livros, da imaginação fértil de uns contadores de casos, dos pesadelos vendidos pelos filmes.Bastava para alimentar o mito que tomava força na minha cabecinha assustada.
       Quando eu soube que havia aparecido mais de um desses seres num apartamento do prédio em que eu morava em Belo Horizonte o medo tomou proporções alarmantes. Dentro da casa das pessoas? Que horror! Um Tityus serrulatus! Jesus, Maria e José!!!!
          Fiquei em estado de alerta, coloquei tela no que foi possível, ralos especiais. Tive pavor de imaginar um daqueles pequenos monstros causando dor em mim, à minha filha ou ao meu marido.Já pensou se picasse meu menino pequeno que não sabia nem falar?
            Descobri que os escorpiões eram muito mais comuns do que eu julgava e apareciam nas casas das pessoas. Essa informação ficou ainda mais próxima de mim nos últimos anos.Na casa em que moro apareceram alguns desses bichinhos peçonhentos e eu voltei a ficar alerta, amedrontada.A possibilidade de manter algumas galinhas, predadores naturais dos escorpiões, não passou e nem passa por minha cabeça.Simplesmente não dá.
     Embora esse medo tenha sido tatuado na minha mente, algo muito curioso me ocorreu.Dentro de uma sala de aula em Tietê, enquanto eu escrevia no quadro e explicava para meus alunos sobre a ocupação do poema no espaço do papel , senti uma fisgada no dedinho do pé direito.Uma agulhada.Ergui o pé num ato reflexo e ao olhar para o chão um lépido  Tityus bahiensis foi procurar esconderijo debaixo do pé de um carteira de aluno.Eu me sentei e pedi para que um aluno avisasse na secretaria que eu havia sido ferroada por um escorpião e que viesse alguém à sala.O que se seguiu foi o que vocês já imaginam.Houve alvoroço, é claro, porém o mais interessante foi que eu me mantive calma segurando o pé e aguardando que alguém me levasse a um hospital.As pessoas em volta se agitaram tanto, alguns adultos beirando a histeria e eu ali, a medrosa, começando a sentir os efeitos do veneno.Muita dor local.E o escorpião, creio que  muito mais apavorado do que eu , acabou sendo morto.
            Obviamente fui socorrida e cercada de atenção.Continuo sentindo medo do bicho, mas a razão superou o pânico.Achei melhor que eu tivesse sido a vítima e não qualquer aluno.Melhor que não tivesse sido ninguém, mas foi um acidente e embora a experiência não tenha sido agradável, rendeu mais uma história.

Parte 2

De novo não!

         Depois do episódio em Tietê que rendeu até produção de reportagem em sala de aula(por esse ponto de vista foi ótimo o incidente!),passei a ficar mais arisca,mas aquele Medão atormentado por fantasias foi se transformando em mera cautela.Não é nada agradável encontrar seres dessa espécie dentro de casa e menos agradável ainda é a dor de um encontro desastrado.
        Há dois anos mudei para a casa imediatamente à direita daquela onde vivi por 8 anos e por aqui já apareceram alguns bem pequeninos.Por mais que se dê atenção aos cuidados com limpeza e eliminação de tralhas(missão árdua essa), eles são insistentes.E eu pergunto: Por que comigo??Ah! Tá bom! Por que não comigo?
     Hoje eu sentei-me aqui, exatamente onde estou em uma mesa próxima à porta de entrada.Senti o contato de algo leve no pé direito.Uma pena,um fiapo deslizando,pelos do meu gato?Não,as patinhas sutis de uma criaturinha com menos de 3 centímetros.Ao sentir a "coceirinha", ergui o pé e o pequeno escorpião escorregou e caiu no chão.Acho que levou um segundo para eu me dar conta de que se tratava de um escorpião.Minúsculo,mas potencialmente venenoso.Nem pensei, taquei-lhe uma chinelada e acabei com sua vidinha infame.Dá para acreditar?
Ainda estou aqui cheia de cisma,mas ainda não penso em galinhas.  

foto do cadáver

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Bailarina espanhola

Ta Tchica  Ta Tchica Ta Tchica pá pá

 Pá Ta Tchica pá  Ta Tchica pá Ta tchica pá

Tchica pápá pá  Tchica pápá pá

As madeiras do assoalho cantavam com a energia dos golpes secos.Algumas repetições em coro e então um par de pés anunciava uma nova sequência.Primeiro lentamente e bem marcada.Uma, duas, três vezes seguidas por vários outros pares de pés, acelerando de tal modo que os contornos do som de cada batida iam sumindo a tal ponto de se engolirem e criarem apenas música.
A coisa toda ocorria no andar de cima do sobrado em frente a praça.A algazarra das crianças que se esparramavam pela área de lazer e a fofoca das babás tornavam secundárias.
Surgiam notas de um piano clássico que despertava uma contagem firme na voz de mulher.Às vezes um curto silêncio irrompia, mas tão breve que parecia inexistir e a contava recomeçava,ora sobrepondo-se,ora sendo encoberta por outras vozes, outra contagem.De fora era curioso notar piano e guitarra flamenca serpenteando pelo bairro e invadindo a grama e as pedras da praça.As pessoas no seu ritmo , se ouviam não prestavam atenção.
O que de fato não podia compreender aquela mulher de cabelos escuros e cacheados é que todas as vezes em que passava por ali -talvez condicionara-se a escolher aquele horário - percebia as mãos suadas serem agarradas pelo ritmo, loucas de febre.Sentia a voz cigana beliscar-lhe o sangue como se fosse possível deixá-lo mais vermelho e mais denso.Flamejante sangue.
Em uma dessas vezes não pode mais resistir e procurou esconder esse incêndio na alma, embora não pudesse apagar as faíscas que saíam dos olhos, quando adentrou a recepção da escola de dança.Convidada a ver e não apenas a ver, mas a vivenciar o aquecimento da aula, enxergou a mágica e a quis para si.
Não pode dormir bem naquela noite, dada a euforia semelhante àquela que causavam os reencontros surpreendentes.
Teve que fazer uma sangria nas emoções.Lembrou-se de Rilke e localizou na estante um exemplar que comprar oito anos antes quando ainda morava em São Paulo.Leu:

BAILARINA ESPANHOLA

Como um palito de fósforo na mão,alvar
antes de ,aceso,estender suas línguas ardentes
para todos os lados - a dança circular
de junto do espectador começa a alargar
seus círculos,clara,célere e cálida sempre

E eis que de súbito se faz chama a dança inteira.

Com o olhar, a bailarina inflama a cabeleira
e,com arte ousada, de um só golpe distende o
seu vestido todo num rodopiar de incêndio
do qual, serpentes,em desnudez e susto vão
surgir os braços despertos, num bater de mãos.

Depois, como se fosse pouco, ela junta o fogo
e o atira,num gesto arrogo,
repentino,imperioso,e contempla,enlevada,
ele estorcer-se no chão sempre sem perder nada
da sua fúria,numa recusa de apagar-se.

Triunfante e segura,com um sorriso amável,
ela saúda então,ergue o rosto e sem disfarce
o esmaga com seus pezinhos implacáveis.

Quis ler Lorca também.A excitação cedeu ao cansaço da hora avançada e sonhou à moda de Saura.Ficou face a face com o garboso Antonio Gades e enfrentou o olhar implacável de Carmen,ouvindo a voz do seu fantástico professor de história do 2º ano como plano a narrar os episódios e feitos mouros na península ibérica.
Nunca mais acordou.


Esse post faz parte de uma das minhas espetaculares experiências em Belo Horizonte.Foi através da professora Cássia Rodriguez que travei contato com o Flamenco na Academia de Dança Meia-ponta.O impacto foi muito marcante , muito próximo do que descrevi no texto acima.Depois Cassia engravidou, partiu para novos projetos e acabei por descobrir que na Faculdade de Educação Física da UFMG, por meio dos cursos de extensão oferecidos,eu poderia voltar a praticar essa dança tão mágica para mim.Eu era estudante do curso de Letras da UFMG no período da manhã e assim que minhas aulas terminavam,eu corria para o ponto de ônibus e pegava o circular que me levava até o prédio da Educação Física que ficava na outra extremidade do campus.Conheci pessoas incríveis lá e desenvolvi um pouquinho mais meus conhecimentos sobre Flamenco.No entanto, não houve uma regularidade nesse processo.O curso sempre recebia muita gente nova .Grande parte ia desistindo ao longo do ano,mas no ano seguinte recomeçava tudo , pois este era o objetivo do CENEX(acho que era assim que se chamavam os cursos de extensão oferecidos pela universidade).
Cássia me indicou uma professora especializadíssima em uma escola de dança de um bairro nobre de BH,fui para lá.As aulas eram ministradas com um guitarrista.Coisa de primeira mesmo.A turma já estava avançada e senti certa dificuldade em me adaptar.Desanimei um pouco porque diferentemente das experiências anteriores eu não sentia o pulsar da energia que me atraíra para essa arte, embora as falas da professora fossem muito interessantes,ela falava sobre a energia da Terra nos puxando para baixo e nos orientava a mover da cintura para baixo com intensidade e força.Dizia que nossos braços,nossas mãos por outro lado deviam ser leves como se estivessem suspensos por fios invisíveis,dependentes da energia dos céus.Curioso é que não me lembro do nome dela.Era uma mulher que escapava do estereótipo da gitana.Tinha cabelos curtos permeados por reflexos loiros de salão de beleza.Havia acabado de retornar da Europa com a bagagem cheia do que havia de mais recente a respeito do baile flamenco.
Eu não me encaixei.Não fazia parte daquele grupo de moças e meu sangue parou de cantar.Descobri que estava grávida e acho que eu mesma acreditei que este motivo deveria me afastar dos tablados.Nunca mais dancei novamente.