domingo, 12 de setembro de 2010

Chega mais

Os professores avisaram que ia começar a disputa eleitoral na escola.Os interessados deveriam se reunir e formar uma chapa,escolher um nome para ela,preparar a campanha,dividir as funções e apresentar as propostas para os alunos que escolherão seus representantes.

O Brasil vivia ainda dias de ditadura militar.O presidente da república, João Batista Figueiredo , não fora eleito pelo povo, fora indicado em 1979 para o cargo mais importante do país e seu mandato durou 6 anos.Durante esse período, nosso país viveu a expectativa da redemocratização.
Na Escola Municipal de Primeiro Grau Olavo Fontoura (agora se chama Escola Municipal de Educação Fundamental) a maioria de nós não compreendia o cenário político,pouquíssimos sabíamos da lutas estudantis pela  democracia.De maneira geral, pertencíamos a famílias de trabalhadores humildes focados na sobrevivência, na luta diária pelo pão.
Nem mesmo meu pai, metalúrgico contemporâneo de Lula ,trazia para casa discussões sobre os estragos causados pela ditadura.Hoje eu sei o verdadeiro sentido da palavra alienação.
Voltando para as eleições na escola, recordo nitidamente da nossa agitação.Era , na verdade, uma atividade interessante para sacudir a rotina.Não tínhamos uma consciência real do poder da democracia,creio que era algo muito mais significativo do ponto de vista da criatividade, do marketing, do poder de persuasão.
Uma das vezes em que participei (e provavelmente minha chapa saiu vencedora, mais de um ano seguido), se minha memória não me trai,pouco ou nada  fizemos.

A influência da televisão era grande.Uma das chapas com que eu e meus amigos concorremos chamava-se CHEGA MAIS.Tínhamos onze, doze anos talvez e sacamos o nome da novela das sete que bombava na época.Fizemos cartazes, criamos jingles e agitamos a escola.Tá, mas e daí?? Daí que, como já falei, não sabíamos de verdade o que nos era possível.A direção da escola era rígida e havia a temível Dona Maria que nos fazia tremer com sua presença austera , seus berros estridentes, seu olhar intimidador e a ameaça constante de advertências e suspensões.Poucos ousavam  enfrentá-la.

Salvavam-nos alguns professores de mente aberta que sabiam nos ouvir, nos estimular e que acreditavam em nosso potencial.
Nessa época havia uma série de comemorações cívicas.Todos reunidos no pátio externo, oras no interno que funcionava como refeitório e que possuía um pequeno palco.Durante certo período fui a oradora.Lia o roteiro que me era dado com as apresentações que seriam feitas, lia textos selecionados para o evento e isso me fazia bem.Acabei me transformando em uma figura de destaque entre os alunos das várias turmas desde 5ª até a 8ª série.
Além disso, eu sempre participei de todas as atividades que a escola promovia ou de que participava.Campeonatos de atletismo envolvendo as escolas da rede municipal de ensino,ginástica olímpica, vôlei, concurso de leitura,apresentações musicais, de dança.Tudo, de absolutamente tudo eu participava.
Tínhamos uma professora de arte que já era bem idosa,cheia da manias e cacoetes estava na escola há muitos anos, muitos mesmo, a Dona Julieta.Certa vez ela precisou se afastar,  não me lembro o motivo.Simplesmente ficamos sem aula e depois apareceu uma substituta que não nos agradou.Estávamos incomodados com a falta de comunicação e resolvemos não subir após o recreio até que alguém viesse nos dar explicações.Adivinhem quem foi a agitadora?Pois é.Essa foi minha atitude engajada em favor da voz dos colegas.
Dona Maria já não estava mais na escola, agora era Dona Isilda que havia sido professora de alguns na 1ª série e de Língua Portuguesa de outros .Era uma baixinha brava pra danar, mas ela nos conhecia e gostava de nós, sabia que éramos alunos envolvidos e participativos.Reafirmei nossa recusa de voltar para sala para ter aula com outra professora sem sabermos nada a respeito de Dona Julieta.Dona Isilda precisava colocar ordem, mas deixou claro para nós que considerava legítima nossa queixa.Voltamos para a sala , ouvimos as explicações e aquela substituta não durou.Dona Elisabete, professora de Desenho Geométrico e de quem gostávamos muito assumiu as aulas e tudo voltou a caminhar.
Pena não ter sabido de verdade aproveitar as eleições estudantis da época e ter transformado algumas coisas viáveis para os alunos daquela escola.Ainda estávamos na ditadura e eu não sabia o que era isso exatamente.Pena a ignorância.

Um comentário:

  1. Feliz época, o que sabíamos de verdade naquele tempo era ser amgigo, a amizade singular, sincera, sem preconceito, sem interesse, simplesmente amizade, por gostar, por compartilhar. Admiro a sua memória AMIGA. bjs. Elaine

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