sábado, 14 de abril de 2012

Gago sim, por que não?


      Cada um de nós traz em sua bagagem pessoal dificuldades a superar ao longo da vida;algumas ficam escondidas  e pertencem apenas ao mundo recôndito do vivente que teme deixar rastros e ser ridicularizado.
       Por outro lado, a gagueira , além de audível ,é visível e infelizmente para a maioria dos gagos, risível.Motivo de chacota,tem gerado a infelicidade , o retraimento  e o desastre na vida pessoal dos portadores dessa marca.
    Quando sua gagueira se tornou insuportável, Miguel moveu mundos para eliminá-la.Procurou pela cura como se procurasse pela própria razão de viver.Todo tipo de simpatias e pajelanças foram tentadas.O jovem enfrentou sua cruzada e o Santo Graal era poder falar sem o embaraço da gagueira.
      Como em todas as viagens de aventura em busca do  objeto do desejo, as desventuras são inevitáveis: guizo de cobra moído, bucho de paca,pássaro preto torrado,tantas luas cheias, tantas luas crescentes, tantas sexta-feiras. Enterra isso, engole aquilo e nada.Nada! Nada de positivo , mas de negativo...
     Certa vez Miguel teve de colocar sob a língua um pedregulho virgem lavado em água corrente.Resultado: hospital.Miguel engoliu o pedregulho.
Contudo, a esperança é uma chama teimosa para quem tem um desejo ardente e Miguel não desistiu.Fez a avó vender um terreno em Capivari para financiar tratamentos que... não deram certo.Chegou a enfrentar 25 horas de ônibus rumo a uma aldeia indígena no Mato Grosso.
         Já contava dezessete anos quando juntou o salário de um mês para consultar um renomado especialista da PUC.Uma semana após a consulta, tempo que aguardou impacientemente e durante o qual uma junta de profissionais discutiu o caso,chegou o diagnóstico: 
           - Culpa!
           - Cu...culpa? Como asss... ssim?
      - Você carrega uma imensa culpa por ter matado seu irmão gêmeo.
          Miguel nasceu bonito , saudável e robusto - tinha mais de quatro quilos.Minutos depois que chegou ao mundo, um sangramento intenso trouxe ao mundo um segundo bebê com menos de dois quilos e que acabou não resistindo.
      - Dou...tor, eu vvvvvi..vviiiiim....ao seu con...sss..sssultório com um ppppproblema e sssaio com dois!
Miguel decidiu conviver com a gagueira do modo mais natural possível.Passou a reconhecer as situações em que ela piorava e aprendeu a contornar as crises.Aceitou conviver com ela.Curou-se da obsessão.

sexta-feira, 6 de abril de 2012

Xingu



Minha mãe tinha uma coleção de fascículos a que eu tinha acesso se fosse cuidadosa.Havia muitas informações e meus olhos de criança não conseguiam abraçá-las.O mundo era muito grande e tinha muitas palavras e ideias que não cabiam em mim. 
As ilustrações ora ajudavam, ora me atordoavam a compreensão do pouco que apreendia,mas ainda sou capaz de sentir o cheiro e a textura do papel com imagens  muito diferentes do que proporcionam os inúmeros pixels dos dias de hoje.
Sempre havia um índio com suas penas e suas armas e ao derredor gravuras menores mostrando detalhes do cotidiano das tribos , de sua forma de vida e habitação. Ainda não se falava em etnias, e elas eram diversas.
Quando a professora pedia um trabalho sobre o dia dos índios eu corria para a coleção da mãe,mas nunca conseguia, de fato, compilar dados.Eu nunca soube organizar tanta diversidade de informação para uma simples homenagem escolar que nunca fez sentido na época.
Certa vez alguém do colégio - e aí eu falo de colegial mesmo - chamou um antropólogo para nos dar uma palestra.Aquele homem revelou a poesia de seu encontro com povos indígenas.Não me lembro de quase nada do que ele falou, exceto sobre os sons da natureza que os homens tentavam recriar com suas "flautas".O impacto de sua palestra foi muito marcante.Tanto que, naquela época , se eu tivesse tido chance, teria embarcado em um desses projetos para a floresta.
Depois que virei gente grande, assisti a uma outra palestra e conheci Daniel Munduruku e o olhar do outro lado da história.Também me foi apresentado o livro A terra dos mil povos de Kaká Werá Jecupe ...
Hoje fui assistir ao filme Xingu:

Saí do cinema com as cordas do coração frouxas.Lembranças do tempo de menina, ideais que um dia habitaram meus desejos... A voz do Orlando Vilas-Boas (de verdade) sendo acordada de dentro de algum espaço da minha memória de criaturinha dos anos setenta... Páscoa, transformação... Será... será?
Em junho farei uma viagem à Amazônia.Não sei absolutamente nada sobre a programação. Relutei muito em acompanhar o marido, que é quem sonha com essa viagem há anos , porém , como nada acontece ao acaso, essa pode ser a oportunidade para reencontrar algumas das raízes da minha identidade brasileira,para reencontrar a paixão idealista que me escapou em algum lugar e quem sabe me reencontrar.

quarta-feira, 4 de abril de 2012

As balas carameladas

Quando a boca toca a camada lisa e brilhante da bala dourada, leva um certo tempo até que os dentes encontrem o ângulo correto para a mordida. O que vem a seguir é luz.
O doce coco se esparrama e baila pelo salão da boca feito Cinderela com seu príncipe encantado.
Estas belezinhas antigas e tão brasileiras parecem gotas de ouro que caíram do Olimpo.Lágrimas de Afrodite? Suor de Apolo? Fagulha do trono de Zeus? Divinas gotas , decerto!
Ana Clara clareou minha semana por se lembrar de mim nos seus momentos de diversão com sua família.
Ana Clara clareou minhas sensações e meu coração com gotículas doces e preciosas.E ela nem sabia o quanto eu amo essas balas!