sábado, 27 de julho de 2013

Chamado

Ouvi a voz que chamava
Fechei os olhos , enxerguei a voz
O nome pronunciado sílaba por cima era feminino
A voz  que chamava era feminina
Ao fechar os olhos acordei
Ao acordar
Não sabia se sonhava

Olga Martins

sexta-feira, 26 de julho de 2013

Morador de rua

Dia desses em visita aos meus amigos em Belo Horizonte, Tony queria entregar dois edredons para algum morador de rua, mas receava fazê-lo sozinho. Eu e Bernardo o acompanhamos...

Mil espelhos em estilhaços me atingiram
quando o globo do olho - todo o planeta e seus satélites
buscou os meus no absurdo da noite fria
Eram olhos de indagação, indignação e medo
tudo ao mesmo tempo circulando
a lágrima suspensa, por vir...
eternamente anunciada e
solidificada na pedra-coração-sobrevivência
Senti terror, mas qual
não sentiu ele também?
Na passagem do tufão
retraí o passo e a boca torta de susto
pendurou uma placa que dizia:
- Sinta menos frio, meu irmão.
E no mesmo segundo
o que era uma coisa
virou outra sem nunca deixar de ser
e o que era medo
gratidão – mas nunca sem suspeitar
O mundo todo se encolheu
se dobrou, se curvou e veio parar aqui dentro
no lugar onde brotam as nuvens fazedoras de lágrimas
A noite era fria
e choveram indagações
e indignação

domingo, 7 de julho de 2013

O fio de Ariadne

     Quando Ariadne estendeu as mãos com o grande novelo para Teseu, agachei e fixei o olhar naquele gesto.O fio grosseiro assinalava uma escrita que eu ainda estava por desvendar e a jovem confiava tanto em seu plano que infundiu no jovem herói a certeza de que ele traria a liberdade para os jovens cretenses.
Quando ele voltou vitorioso do labirinto para o abraço de sua amada, a comemoração se estendeu por centenas de outros abraços.Não haveria mais nenhum sacrifício naquele local, pois o Minotauro estava derrotado.
     Quando a multidão dispersou,alguns curiosos permaneciam incrédulo, com ouvidos atentos para certificarem-se de que o o urro do monstro havia se calado pela eternidade afora. No entanto, o que eu queria estava ali esquecido no chão.Recolhi o emaranhado do chão e me recostei junto a uma rocha perto da boca do labirinto. 
     A tarde derretia o dia como o sol um dia fizera com a cera das asas de Ícaro.Com paciência extremada desembaracei as fibras e amarrei intuitivamente uma das pontas do novelo em meu coração que a absorveu.O restante enrolei em minha mãos e fiz uma grande bola compacta.
     Iniciei assim uma caminhada por entre as muralhas secretas.Com passos tímidos, inseguros me lancei adiante, escolhendo passagens, desvios.Depois segui de olhos fechados.
     Meus medos afiavam as garras nas paredes e de longe eu ouvia o arrepio da rocha.Seus bicos carniceiros arrancavam o fígado do tempo e suas asas de negra navalha cegavam. Eu caminhava e ia desenrolando o novelo enquanto a linha se enrolava iluminada no meu coração.
     E quanto mais me aproximava do vórtice, mais forte sentia o hálito paralisante que se espalhava no ar.A cada passada a ameaça sob forma de ronco sistemáticos entremeado por estalidos metálicos.
     Meu coração quase emperrou e a linha desceu numa parábola entre minhas mãos e o peito.O medo rondava.
    Respirei profundamente e a linha voltou a se enrolar.Se a carne quase sangrava, o peito aquecia-se e ali estávamos eu , meus medos e os ponteiros do relógio.Abri os olhos e não mais havia muros, apenas um grande espelho diante de mim.
Olga Martins