Masmu
Masmu é uma vaca curiosa e interessante que
habita o alto das montanhas, lugar cheio de vegetação rasteira e ondulações no
relevo por onde passam frequentemente motoqueiros fazendo trilhas. Nos
arredores, Masmu desconhece, mas há quilômetros de canaviais a perder de vista
e um mundo vasto cheio de possibilidades.
Ela não mora sozinha, há várias outras vacas e
bois com toda sorte de coloração de pele, no entanto é ela a que se avista a
longa distância , pois sua pelagem é escura salpicada por manchas brancas.
Todos os dias, ela e seus
companheiros se lançam a antiga arte de pastar percorrem um bom trecho da
região onde habitam, sem nunca abusar da sorte. Não vagueiam por aí ao Deus
dará sob pena de não voltarem a tempo para o local onde se recolhem quando o
sol resolve deixá-los.
Masmu olha para todos os lados e ergue a cabeça
para compreender a agitação no céu , enquanto as andorinhas bailam e se delicia
com a coreografia das velozes figurinhas. Suas companheiras não compreendem
essa perda de tempo, porque o pasto está aos pés. Contudo, os comentários
maliciosos não incomodam o ruminar de nuvens da vaquinha desajustada.
Depois de se divertir com as andorinhas, estica
os olhos para os urubus tão leves, suspensos em suas cordas de circo, deslizando
em espirais pelo vasto céu. O coração de Masmu parece encher-se de leveza
também , ela se move suavemente e seus
cascos resvalam sutilmente pelo capim.
Está só e não sente desejo de seguir pastando
como sempre o faz, sente-se diferente e até poderia voar, se asas tivesse.
Observa a manada no seu repetitivo ritual, nos gestos ensaiados e vazios da
mastigação do dia.
Enquanto vagueia em seus pensamentos, não sente
a aproximação da esperta seriema que lhe arregala um par de olhos azuis e
estica as canelas finas para parecer mais alta:
-Oi!
-Olá, seriema! Quase me pregas um susto!
- Desculpe-me, é que a vi assim tão
desconcertada a olhar para o céu, que fiquei curiosa. O que há?
- Nada! Apenas não me sinto tão feliz em pastar
somente, em repetir o gesto cotidiano de pastar, olhando apenas para o chão.
Encheu-me de alegrias observar essas aves desenhando no céu.
- Ah! Sim! É mesmo uma beleza!
- E tu, por que não voas?
- Por que não está em mim voar, a não ser que
seja muito necessário. Prefiro vasculhar por aqui e ali, sentir meus pés firmes
na terra.
- Eu voaria se pudesse...
- E não o estás fazendo de certo modo?
-Hummm – e soltou um suspiro-mugido não muito
convencida disso.
- Sabe, Masmu, outro dia, um desses humanos que
circulam por aqui leu um poema em voz alta e eu, curiosa que só, ouvi e guardei
alguma coisa, falava da escolha de um caminho...
- Caminho?
- Talvez , você não possa por ora voar, mas pode
escolher o caminho menos trilhado, como diz o poema...
-E o que mais diz esse poema?
A esperta seriema, conhecedora de sonhos ,soltou
um típico riso que ecoou por todo o vale. Adiante, algumas vacas ergueram a
cabeça, mas talentosas na arte de pastar imperturbavelmente, voltaram ao seu
ofício.
- Masmu, Masmu! O que eu sei é que o poeta
falava em dois caminhos que se separavam num bosque amarelado...
Masmu, ergueu os olhos,
meneou a cabeça e seguiu no seu passo manso, mas firme. A velha ideia de ir
além voltava obstinada a não arredar pé. Desceu até o regato e de longe ouvia a
reprovação e as admoestações dos mais sábios da manada.
E bem ali, onde o
caminho se repartia em dois, um deles bem conhecido - o mesmo velho caminho de
seus ancestrais. O outro, menos trilhado, desconhecido e um tanto quanto perigoso,
parou e pensou que não conhecia ninguém que o houvesse trilhado. Costumava
sempre questionar os mais velhos sobre o que haveria além daquela trilha. Mas a
resposta era a mesma: "Masmu, sua vaca tola! Ninguém nunca a percorreu,
porque não há nada para se fazer lá! Nossa vida é aqui, nesses caminhos
conhecidos e seguros. Aqui somos felizes e temos tudo de que necessitamos.
Minha avó costumava contar-me que essa trilha era um caminho amaldiçoado por
seres fantasmagóricos e malévolos. Meu avô costumava contar que um certo boi,
chamado por todos de "boi doido", decidiu aventurar-se pela trilha
amaldiçoada e que nunca mais voltara...”
Masmu sacudiu os pensamentos para longe, ouvidos
moucos, coração quase a ponto de voar, embrenhou-se por entre as parcas árvores
no entorno do caminho sem mais ouvir as vozes de ninguém. Deu um último
sorriso-olhar para a seriema já distante , que espichou os olhos e soltou uma
gargalhada de satisfação: “Corajosa, Masmu!”
Uau! Lindo!!! Continua? O que terá acontecido a intrépida Masmu? :)
ResponderExcluirNão sei, precisamos visitá-la, ou talvez consultar a seriema... Valeu, sifu!
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