Visitar ideias,vasculhar memórias, pensar o instante que foi,que está e o que virá.
Falar de coisas boas e ruins,pessoas, comidas, lugares, sonhos, medos.
Aqui na minha rua não é tão comum a passagem de vendedores com seu carros equipados com som para anunciar seus produtos.
Vez ou outra passa alguém vendendo pamonhas,as famosas de Piracicaba conhecidas por todos os cantos através do pregão " Pamonhas, pamonhas, pamonhas...pamonhas de Piracicaba.É o puro creme do milho..." raramente passa também alguém consertando panelas.
Na rua da minha infância e adolescência, compravam-se muitas coisas na porta de casa.- Eu já contei que foi assim que minha mãe me comprou minha enciclopédia.
Naquele tempo, comprava-se sardinha fresca, pescadinha de um homem que passava de carroça .Nem se embrulhava nada, bastava levar sua própria bacia.O vendedor orgulhava-se em dizer que "os peixe" tinham chegado ainda há pouquinho da praia.Não era difícil de acreditar.De casa até Santos chegava-se em uma hora de viagem,morávamos ali pertinho da Via Anchieta, a caminho do mar.
Os produtos que podiam ser comprados na porta de casa iam desde sardinhas,ovos,verduras, sorvetes até roupas de cama vendidas pelo Sérgio que convencia as donas de casa a adquirirem lençóis, toalhas de banho, mantas, cobertores a prestações que eram registradas em fichas pautadas.Anotavam-se os valores das compras, os valores pagos e as datas.Não havia nenhum documento para selar o compromisso e eu nunca soube de qualquer problema entre as partes da negociação.Acho que foram mais de trinta anos de negócios,até Sérgio abandonar esse tipo de comércio, rico pelo que se sabe.
Voltando a Piracicaba, ainda há pouco passou um vendedor de churros, aliás um produto de qualidade questionável.Resolvi procurar na internet uma receita que me empolgasse a ponto de colocar a mão na massa.Passei por alguns blogs e dei muitas risadas com algumas experiências culinárias, um dos posts falava da compra na Espanha de uma máquina doméstica.
Imediatamente senti o doce e autêntico sabor dessa iguaria com que me deliciava no parque de diversões Shangrilá.
Havia um terreno imenso onde hoje estão instalados um supermercado e um banco na avenida do Cursino.Minha mãe era bastante animada e atendia aos meus apelos infantis.Quase sempre, no período do ano em que o parque estava instalado, esperávamos acabar mais um programa dos Trapalhões e antes mesmo de começar o Fantástico íamos nós.
Eu amava com todas as forças aquele território mágico de diversão.Na época não fazia ideia do que era Shangri-lá, mas definitivamente o Parque Shangri-lá era o meu "shangri-lá".Dentre as atrações que mais me encantavam os churros do espanhol eram parte do paraíso.Nada a ver com os doces carnavalescos e recheios coloridos que se veem hoje.Era uma espiral frita e açucarada que terminava sendo cortada com uma tesoura .Impossível comer um só.Eu, meu pai e minha mãe encerrávamos muitos domingos comendo churros e batendo papo com o espanhol e sua esposa.Tudo era doce e feliz nas voltas que o mundo dava.
Uma Kombi parou na porta de casa oferecendo um negócio imperdível e se havia algo que Dona Marlene não deixava passar em branco eram as oportunidades de negócio.
A princípio ela refutou a oferta,alegou que o preço era alto,que não tinha condições para pagar pelo produto e o vendedor notando que a isca havia sido parcialmente mordida,iniciou o processo de sedução:
_ A senhora pode parcelar em 12 meses, através de nota promissória, a gente escolhe a melhor data para os vencimentos...
_Não, muito obrigada.Não dá.
_Mas a senhora não tem filho na escola?
_Filha.
_Então, imagine que maravilhas essa enciclopédia pode trazer para os estudos dela.No conforto de casa ter acesso a um rico material de pesquisa...
_Moço, não dá!
_ Além da PAPE,que quer dizer Programa Auxiliar de Pesquisa Estudantil com nove volumes, eu darei um brinde,um não...vejamos... Que tal essa coleção de capa dura com as obras do Machado de Assis e essa outra do José de Alencar ?
_Capa dura? Compra ,mãe!
Agora sim Dona Marlene não tinha saída.
_E tem mais eu também darei esses três volumes com uma antologia de poetas de língua portuguesa. Também em capa dura.Há poemas de Casimiro de Abreu,Cecília Meireles,Vinícius de Moraes...
_Nossa! Compra , mãe!- Eu dizia, passando a mãe pela capa dos livros.Muito mais interessada pelos brindes do que pela enciclopédia.
_Para fecharmos negócio, Dona Marlene,ainda darei essa lindíssima coleção de histórias, com ilustrações fantásticas.Olhe só! Um volume com contos de fadas ,outro com contos africanos e esse aqui traz contos do oriente.
Meus olhos pousaram naqueles tesouros e fiquei completamente entregue ao seu fascínio.Minha mãe sabia que a oportunidade de um bom negócio não poderia ser perdida, mas sabia mais ainda que naquele momento o preço da felicidade estavam nas notas promissórias e o negócio foi fechado.
As caixas com os volumes foram levadas para dentro de casa e eu nunca mais larguei os livros.
Depois de falar sobre Festa Junina, já havia engatilhado um texto sobre a Copa do Mundo, mais precisamente sobre a de 1982.
A verdade é que nesse meio tempo, andei aborrecida demais.Talvez por estar ficando mais velha, a fragilidade da vida se comporta de modo alvoroçado e eu a percebo com mais nitidez e temor.
No dia 6 de junho, um dos meus irmãos foi terrivelmente agredido por bandidos.Era domingo e ele voltava de sua loja que fica na Vila Maria , quando por volta das 19h00 foi abordado no cruzamento das Juntas Provisórias com a Rua Dois de Julho.Era para ser um sequestro relâmpago, mas de alguma forma frustrado se transformou em violência, digo, muita violência gratuita,apenas porque meu irmão disse ser trabalhador e não ter ali com ele nenhum cartão bancário.
_Que é isso, playboy!?
E antes que pudesse se dar conta, recebeu uma coronhada que lhe tirou a consciência.Daí para frente foi uma sequência brutal de pontapés que visavam sobretudo seu rosto.Levaram a aliança e uns trocados no bolso frontal da calça.Não levaram o carro, nem os pertences que estavam dentro dele.
Sem a menor noção do tempo que ali ficou, despertou e lhe ofereceram socorro.Recebeu um pano que colocou sobre o olho esquerdo que sangrava terrivelmente, mas por um instante de rápido raciocínio ou pânico ainda maior, recusou o auxílio.O hospital mais próximo era o Heliópolis,no centro da uma das maiores favelas de São Paulo.Preferiu dirigir como desse para casa.Arrastou-se , entrou no carro e de modo precário seguiu em direção à Pauliceia,bairro de São Bernardo do Campo.Chegou em casa às 21h30 e foi socorrido.
Quase perdeu o olho,tem quatro ossos fraturados na face, levou cinco pontos na sobrancelha esquerda.
O playboy é um trabalhador de 51 anos.
Terrível também foi saber através do médico que o socorreu que esse tipo de agressão é muito comum.Tem sido padrão tentar destruir o rosto da vítima com pontapés raivosos, desfigurar-lhe.
A medida da maldade não tem medida.Não creio que se trate apenas de injustiça social fazendo proliferar pelos cantos do país crias da falta de recursos.É mais, muito mais.E um tempero extra complementando : as drogas.E agora, José?
quinta-feira, 8 de julho de 2010
HighTech - Millor Fernandes
Na deixa da virada do milênio, anuncia-se um revolucionário conceito de tecnologia de informação, chamado de Local de Informações Variadas, Reutilizáveis e Ordenadas – L.I.V.R.O.
L.I.V.R.O. representa um avanço fantástico na tecnologia. Não tem fios, circuitos elétricos, pilhas. Não necessita ser conectado a nada nem ligado. E tão fácil de usar que ate uma criança pode opera-lo. Basta abri-lo!
Cada L.I.V.R.O. é formado por uma seqüência de páginas numeradas, feitas de papel reciclável e são capazes de conter milhares de informações. As páginas são unidas por um sistema chamado lombada, que as mantém automaticamente em sua seqüência correta.
Através do uso intensivo do recurso TPA – Tecnologia do Papel Opaco permite que os fabricantes usem as duas faces da folha de papel. Isso possibilita duplicar a quantidade de dados inseridos e reduzir os seus custos pela metade! Especialistas dividem-se quanto aos projetos de expansão da inserção de dados em cada unidade. E que, para se fazer L.I.V.R.O.s com mais informações, basta se usar mais páginas. Isso porem os torna mais grossos e mais difíceis de serem transportados, atraindo críticas dos adeptos da portabilidade do sistema.
Cada página do L.I.V.R.O. deve ser escaneada opticamente, e as informações transferidas diretamente para a CPU do usuário, em seu cérebro. Lembramos que quanto maior e mais complexa a informação a ser transmitida, maior deverá ser a capacidade de processamento do usuário.
Outra vantagem do sistema é que, quando em uso, um simples movimento de dedo permite o acesso instantâneo à próxima pagina. O L.I.V.R.O. pode ser rapidamente retomado a qualquer momento, bastando abri-lo. Ele nunca apresenta “ERRO GERAL DE PROTEÇÃO”, nem precisa ser reinicializado, embora se torne inutilizável caso caia no mar, por exemplo. O comando “browse” permite acessar qualquer página instantaneamente e avançar ou retroceder com muita facilidade. A maioria dos modelos à venda já vem com o equipamento “índice” instalado, o qual indica a localização exata de grupos de dados selecionados.
Um acessório opcional, o marca-páginas, permite que você acesse o L.I.V.R.O. exatamente no local em que o deixou na ultima utilização mesmo que ele esteja fechado. O compatibilidade dos marcadores de página é total, permitindo que funcionem em qualquer modelo ou marca de L.I.V.R.O. sem necessidade de configuração. Além disso, qualquer L.I.V.R.O. suporta o uso simultâneo de vários marcadores de pagina, caso seu usuário deseje manter selecionados vários trechos ao mesmo tempo. A capacidade máxima para uso de marcadores coincide com o número de páginas.
Pode-se ainda personalizar o conteúdo do L.I.V.R.O., através de anotações em suas margens. Para isso, deve-se utilizar de um periférico de Linguagem Apagável Portátil de Intercomunicação Simplificada – L.A.P.I.S. Portátil, durável e barato, o L.I.V.R.O. vem sendo apontado como o instrumento de entretenimento e cultura do futuro. Milhares de programadores desse sistema já disponibilizaram vários títulos e upgrades utilizando a plataforma L.I.V.R.O.
Só me lembro da correria doida da molecada .Mal voltavam da escola e a noitinha começava a roçar as horas, aparecia lá no final da rua um tremeluzir enlouquecido.Verdadeira constelação .
Rua sem asfalto.Rua sem modernidade dos postes iluminados. (Nem precisava que o céu vinha nos visitar algumas vezes.)
Era rua porque se chamava assim , mas lá pra baixo perto do morrão era um mar de mato.
Os anjinhos sem asas disparavam de suas casas-nuvem carregando potinhos para fazer lampião.
Estrelinha acendia aqui , piscava lá , mudando de lugar a todo instante como se o próprio céu se movesse .Pegava-se uma estrelinha e mais outra e outra mais e parecia interminável a multiplicação delas.
Era um tempo assim à toa , de algazarra luminosa , cheia de planos individuais em que cada um imaginava o que faria com aquele brilho todo. Talvez por uma espécie de compaixão não me lembro do destino das fagulhas vivas capturadas..
De volta para casa , depois do banho , do prato de comida, da conversa ligeira , enquanto os olhos não se despregavam da novela das oito ,as estrelinhas viraram fogueirinha na memória.
A friagem judiava desde o outono, mas era mesmo na época das Festas Juninas que a gente sentia as temperaturas desabarem.Na região do Parque Bristol, colada à Mata do Governo - complexo que abriga ainda hoje o Jardim Zoológico,o Zoo-Safári e o Jardim Botânico - e sob a umidade vinda da Represa Billings , o frio,como dizia minha avó Olinda não era bolinho!Sabe a famosa garoa?Ela existia e insistia.
Não havia toalha de mesa porque não havia mesa, as pessoas da rua não combinavam nada e nem celebravam os santos do mês.Pelo menos isso nunca evidente,embora uma ou outra colega ensinasse uma simpatia qualquer para saber o nome do futuro namorado, marido...Simpatia ou brincadeira?
Da maneira mais ancestral a molecada maior reunia pedaços de pau e erguia uma pilha ordenada.Logo , feito rastilho de pólvora a notícia se espalhava pelas casas da rua: " vai ter fogueira!"A pilha de madeira ia sendo alimentada pela molecada menor também que saía à cata do que pudesse ser usado.
A tarde de amarela passava para os tons ruivos.De dentro das casas brotavam alguns odores.Nélson trazia o violão e logo era rodeado enquanto desfiava seu repertório de serestas e canções juninas.
Dona Lia aparecia com algumas cocadas,alguém trazia quentão.Aparecia então uma bacia de pipoca aqui alguns pedaços de bolo, até pinhões cozidos que eram partilhados sem a menor cerimônia. Na rua sem asfalto equilibravam-se alguns banquinhos, algumas cadeiras e a fogueira se acendia para aquecer e iluminar a noite que descia sólida, gélida e úmida.
Não tardava e os estalidos de bombinhas me enchiam de medo.Sempre senti muito medo das bombinhas e das brincadeiras com fogo.Com folhas de jornal, a turminha fazia galinhas chocas que subiam faiscantes para em breve se tornarem cinzas e os pacotes de bom-bril desapareciam em luminosas fagulhas que giravam em círculos nas mãos ágeis.
Subiam aos céus o balões de papel de seda.Não eram vistos como vilões ainda e eram celebrados com o famoso: " Cai, cai, balão..." Eu torcia para que não caíssem....Eles bem que podiam levar para os ares as pequenas tristezas dos meus dias, pulverizando a falta de esperança que às vezes batia doído.
Alguns ousavam pular a fogueira e eu não me atrevia a ir além da igreja Assembleia de Deus que ficava próxima à esquina de baixo.Minha mãe ficaria uma fera!
Era um entra e sai das casas e se repetia o alerta " Coloca o gorro, menino";"Menino que brinca com fogo, acorda molhado!"
E quando o movimento ia diminuindo como as labaredas que minguavam na fogueira, assávamos batatas-doces entre as brasas.Assávamos segredos que deveriam morrer ali e desejávamos que a noite fosse infinita para revolvermos as cinzas até que uma fênix despertasse.
quinta-feira, 3 de junho de 2010
Hoje, 3 de junho na Seção Prosa e Verso do jornal A TRIBUNA sob a coordenação do Grupo Oficina Literária de Piracicaba tendo por responsáveis pela página o queridos: Ivana Maria França de Negri e Ludovico da Silva , saiu publicado um texto meu :
RECICRIANDO
Olga Martins
Antes de deitar, às vezes, vasculho a grande sala sem janelas. Nela , esparsas , as ideias. A sala é um grande vão. As ideias , uma grande confusão.
Antes de fechar os olhos , já deitada, faço uma coleta seletiva ... Aqui, ali, acolá, pilhas...montes...
E, quando o sono é uma realidade, parte do que foi separado se torna reciclado. Posso reconhecer nos sonhos as ideias com nova roupagem.
Vale lembrar :
Prêmio Camões 2010
O poeta e dramaturgo Ferreira Gullar, prestes a comemorar 80 anos, recebeu o mais importante prêmio literário da Comunidade de Países de Língua Portuguesa. A escolha foi divulgada pela Ministra da Cultura de Portugal, Gabriela Cavilhas, em cerimônia realizada no Museu Nacional de Arte Amiga em Lisboa. O valor do prêmio é de cem mil euros.