sexta-feira, 21 de maio de 2010

Água , Imbus e Cravinho


As acomodações...não havia acomodações.Num barracão do outro lado do terreiro foram estendidas redes e esteiras.Naquela noite não houve luar nem sonhos, apenas cansaço.
Cedo , tia Beta ordenhou as vacas e não me agradou nada aquela espuma quente que ela apresentou para o café da manhã.Torci o nariz sem a menor cerimônia e anunciei que leite tinha que ser branquinho e vir em um saquinho.Não sei por que eu enxergava algo esverdeado .Meu pai apelou para o leite de cabra que aceitei cheia de suspeitas a princípio, mas que depois aprendi a gostar.
O café , dizia minha mãe era um chafé e, na próximas vezes, ela se incumbiu de prepará-lo para atender as exigências de sua família, após ferver a água incansavelmente .Pão não havia e em uma espécie de peneira minha tia apertava uma mistura de farinhas de milho e tapioca e preparava um legítimo cuzcuz baiano que era cozido no vapor.Depois de pronto cortavam-se fatias douradas e apetitosas que se comia com manteiga de garrafa.Eu logo descobri um outro jeito de comer:misturava em uma tigela café com leite e afogava um tolete de cuzcuz. Meu pai comia assim.
Do lado de fora da casa ficavam penduradas mantas de carne que passavam a noite no sereno.Não havia geladeira e era necessário criar meios para a conservação dos alimentos.Havia também grandes nacos de carne guardados em latas grandes cheias de banha.
A região possuía incontáveis umbuzeiros, uma árvore não muito alta com a copa espalhada que se enchia de um fruto delicioso a que chamavam imbu.Bastava sair no terreiro , estender a mão e sair se lambuzando.
Cravinho, um cabritinho branquinho estava sempre comigo, eu o puxava para todos os lados e ele me acompanhava feliz.Todos riam muito dessa amizade e da obediência do bichinho.Minha mãe subia nos galhos do umbuzeiro e eu e Cravinho ficávamos aguardando a coleta dos frutos cheios de gula.Tia Beta também aproveitava os frutos da melhor maneira possível como tem de ser em uma terra difícil de manejar, onde a água é escassa e o trabalho ingrato.
Com o colo cheio de lenha, a vi caminhar para o barracão para acender uma fogueira no chão e ajeitar o imenso tacho de cobre.Habilidosamente despejou muitos frutos previamente preparados e mexeu durante horas aquela magia perfumada. Do tacho saía uma massa amarronzada e espessa que era despejada em caixotes. Depois de frio, o doce era cortado em fatias como uma marmelada.Meio azedinho e muito mais saboroso que goiabada.Acho que o dinheiro do doce complementava a renda do casal.
Por falar em renda, uma curiosidade estranha era o fato de tio Loro guardar dinheiro em bolsos que ele costurava na bermuda.Nunca entendi isso direito, mas fico pensando se assim como a história da porquinha em O Auto da Compadecida, de Ariano Suassuna o dinheiro guardado não teria perdido valor e caído no esquecimento.
Como eu já disse, água era um artigo difícil.Nas proximidades do sítio havia uma cacimba onde os animais matavam sua sede e que também era usada para o consumo da casa,para lavar roupa, para o banho, mas de vez em quando era necessário partir com grandes galões sobre o carro de boi, mato adentro.A égua nos puxando e o balanço melancólico embalando a aventura.Dava para esticar a mão e pegar imbus pelo caminho.Galhos, sol e horas que começavam a me chatear.Em compensação o destino foi uma surpresa inenarrável.Um local rochoso com poços naturais de água límpida, muito diferente daquela que ficava nas proximidades do sítio, barrenta.Era sacrificante chegar até ali, mas realmente valia a pena.Fiquei brincando nas poças mais rasas, refrescando-me do calor sertanejo.Meu pai me levou até um dos poços onde meu tio coletava a água era fundo e perigoso , mas belo, muito belo.

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