segunda-feira, 17 de maio de 2010

VIAGEM PARA O SERTÃO


Como já disse, a leitura do livro Anarquistas Graças a Deus despertou uma série de reminiscências( e são tantas...).

Em 1975 , meu pai ,Adão Martins dos Santos ainda vivia conosco.Éramos uma família simples que vivia em uma casa simples:sala,cozinha, banheiro e um único quarto.À época parecia-me o suficiente, mas não era.Eu era a caçula e além de mim havia naquela casa uma dupla de gêmeos dez anos mais velhos do que eu e a Tata, nascida doze anos antes de mim.Os três filhos do primeiro casamento de minha mãe.A "dona" de todos nós era Marlene Nunes do Santos, a Dona Nina. Mas o assunto família virá num post à parte.

Como eu dizia em 1975 meu pai ainda vivia conosco e foi nesse ano que viajamos todos juntos de ônibus para a cidade de Juazeiro na Bahia, depois de muita economia.Dois dias e duas noites desconfortáveis A viagem para mim foi uma aventura e das coisas de que me lembro não ficou nenhuma marca desagradável, ao contrário do que se lembra minha Tata que odiou tudo do começo ao fim , exceto pelos momentos em que ficamos na cidade.

A maior parte do tempo ficamos na caatinga, numa construção rústica de pau-a pique onde vivia minha tia Beta e seu esposo Loro .Tia Beta era irmã de meu pai.Sem iluminação elétrica, sem água encanada.Água?Artigo de luxo, recolhido em cacimbas da região.Camas? Apenas umas poucas redes e esteiras estendidas no chão de terra batida. Eu tinha 5 anos, minha irmã era mocinha já.Compreensível que estivesse infeliz.Sentava-se à soleira da porta, rosto trancado.Não me lembro de nenhum sorriso dela, detestava aquele sol inclemente, os mosquitos que não davam trégua ,sofria de nojos variados, dos animais, da comida, da água...

O conforto para mim era a brincadeira e a presença de meus pais.Isso era conforto:meus pais.Uma parte da família de meu pai, morava na zona urbana de Juazeiro e essa primeira vez que eu conhecia a banda paterna da minha ascendência.Não conheci avô nem avó.Típico migrante nordestino, seu Adão se instalou em São Paulo em busca de trabalho.Praticamente analfabeto foi metalúrgico por anos, à mesma época da trajetória sindicalista do presidente Lula.

Tínhamos ido à Bahia para questões de terras , mas eu nunca soube o desfecho nem detalhes sobre esse assunto. Como toda menina curiosa, erguia as orelhas e captava fragmentos das conversas que minha mãe, rispidamente deixava claro não serem assunto de criança ."É muito feio criança se intrometer em conversa de adulto."

Importante mesmo para mim era a viagem e as sensações que me proporcionou.Tia Fátima e a vovó Olinda foram à rodoviária para as despedidas usuais.

Era final de tarde e bem me recordo do sol arrastando seus últimos babados escarlates pelo céu, enquanto o ônibus da viação Itapemirim coleava as ondulações da Rio-Bahia.Se eu era a única criança não sei, talvez não fosse.A brincadeira ficava por conta da cama do motorista.Sim , como a viagem era longa, havia dois motoristas que se revezavam.Muito saidinha e cheia de conversa, me apropriei em muitos momentos daquela cama que era muito melhor do que o desconforto das poltronas.Ali eu podia brincar e esticar os ossinhos impacientes.Os motoristas adoravam aquela menina esperta.Minha mãe talvez se sentisse aliviada por se livrar de mim.Eu tagarelava demais.

Dizem que a memória de consolida através das emoções, das sensações que atribuímos às vivências.Até hoje consigo sentir o cheiro daquela cama.Não me pergunte como era, nunca fui capaz de descrever.Certamente era diferente dos cheiros familiares.Não era bom nem ruim.Minha percepção aguçada provavelmente captara a mistura do óleo diesel,dos tecidos,dos suores.

Ainda falando em odores, banho foi uma coisa complicada no trajeto.Espantava-me o fato de que nas paradas os banheiros fossem tão esquisitos.Naquele Brasil,vasos sanitários eram um luxo.Eu não sabia como usar aqueles buracos de cimento e meio em pânico pedia socorro para minha mãe."Eu não consigo! Eu não consigo!"Minha mãe me segurava pelos braços e um constrangimento enorme me tomava.Imagino agora o ódio mortal que se apoderava da Tata, costumeiramente calada e emburrada,cada vez mais fechada.

Sabonete Phebo sempre foi marca registrada de viagens.Sempre que íamos para Santos, minha mãe comprava barras de Phebo.Por que será? Seria uma questão de aparência?Phebo era mais sofisticado, comum era o Gessy.Esse era o alívio para os banhos, aquele cheirinho de limpeza!




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