sábado, 9 de outubro de 2010

CANTO GERAL


Na ficção criada por Antonio Skármeta  e eternizada através da película Il Postino (O carteiro e o poeta) há um momento em que por ocasião de seu aniversário, Pablo Neruda  o poeta chileno exilado que passa uns tempos em uma ilha italiana, recebe uma fita de áudio com a gravação de seus amigos ainda residentes no Chile. 
Estamos falando de um período político bastante turbulento em países da América do sul , com vários países submetidos a regimes ditatoriais impostos por militares.Pablo Neruda sofre cassação de seu mandato de senador da república assim que publica sua obra Canto Geral.
Voltando à cena da ficção, o carteiro entrega a fita em que ouve a voz de uma amigo do poeta que se diz cercado por outros amigos comuns felicitando-o pela data e informando-lhe sobre o sucesso de sua obra  Canto Geral e o esgotamento da edição publicada secretamente no Chile.
Com olhar melancólico, Neruda explica ao carteiro,tornado amigo a essas alturas,o teor de sua obra.Conta-lhe que quando era senador no Chile fora visitar os mineiros na região dos pampas, uma região, como ele diz onde chove a cada meio século e onde a vida é inimaginavelmente difícil.Ele pretendia com essa viagem conhecer as pessoas que haviam votado nele.Um dia, em Lota, um homem saiu de uma mina com uma máscara feita de pó e carvão com o rosto contorcido pelo sofrimento e os olhos vermelhos por causa da poeira  lhe estendeu a mão calejada e pediu para que o poeta aonde que que fosse falasse sobre aquele tormento, que falasse do irmão que vive lá embaixo no inferno e apontou para a entrada da mina.
Assim, o poeta achou que devia falar sobre a luta dos homens, escrever poesias sobre os oprimidos e assim nasceu a obra Canto Geral.

Desde o dia 5 de agosto, o mundo acompanha aflito a situação desesperadora de 33 mineradores que ficaram soterrados após um desabamento que bloqueou a galeria de acesso à mina em San José na região de Atacama no Chile.Hoje a perfuradora finalmente os alcançou.
O mundo continua com os olhos e os corações voltados para eles, na expectativa de que o resgate seja bem sucedido e que esses homens consigam superar os traumas acarretados por essa experiência assombrosa.
crédito pela imagem : abril.com

Canto Geral foi publicado em 1950 e as condições de trabalho dos mineiros pouco mudou de lá para cá.Foi necessário que ocorresse esse desabamento para que a opinião pública voltasse seus olhos para a situação desses trabalhadores.E depois que for colocado um ponto final nessa história, haverá mudanças que favoreçam esse povo?

XII O MESTRE HUERTA ( Da mina " A desprezada",Antofagasta)

Quando o senhor for ao Norte
vá até a minha " A Desprezada",
pergunte lá pelo mestre Huerta.
De longe não vai o senhor ver nada,
só os areais cinzentos.
Depois, verá as estruturas,
o corrimão, os desmontes.
Os cansaços, os sofrimentos
a gente não vê, estão debaixo da terra
mexendo, partindo seres,
ou então descansam estendidos,
se transformando, silenciosos.
Era " picano" o mestre Huerta.
Media um metro e noventa e cinco.
Os picanos são os que abrem
o terreno até o desnível,
quando o veio se rebaixa.
Quinhentos metros abaixo,
com água até a cintura,
o picano pica,pica,vai furando.
Só pode sair do inferno
cada quarenta e oito horas,
até que as perfuradoras
na rocha, na escuridão,
no barro deixam a polpa
por onde a mina caminha.
O mestre Huerta, grande picano,
parecia que enchia a picada
com as suas costas.Entrava
cantando como um capitão.
Saía gretado, amarelo,
encurvado, ressecado, e seus olhos
olhavam como olho de morto.
Depois se arrastou pela mina.
Já não podia descer à galeria.
O antimônio lhe comeu as tripas.
Emagreceu de dar medo.
Mas nem podia andar.
Tinha as pernas picadas
como por pontas, e como era
tão alto, parecia
um fantasma faminto
pedindo sem pedir, o senhor sabe.
Ainda não tinha trinta anos.
Pergunto onde está enterrado.
Ninguém sabe dizer,
porque a areia e o vento derrubam
e enterram as cruzes, mais tarde.
Ainda não tinha trinta anos.
É em cima,na "Desprezada",
onde trabalhou o mestre Huerta.
                            in Canto Geral,Pablo Neruda, ed.Record,São Paulo,págs268-269.

3 comentários:

  1. Olga, assim como você , estou também na torcida por essas pessoas!!!!
    Eles com certeza vão sair vencedores dessa ( catástrofe )
    Beijos
    Paulinha

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  2. *----------------------------------*

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  3. Amiga, essa história dos mineiro é muito bonita, apesar de toda a tragédia que a envolve. Ver todo um país, e o mundo todo mobilizado pra salvar 33 pessoas é muito comovente.

    Bjs...

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